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Prosa - Academia Brasileira de Letras

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Dalma Nascimentosubliminarmente também pela simbólica fotografia o outro lado do caráter daescritora: mítico, sagrado, mágico, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> cedo voltado a sortilégios, enigmase oráculos. Em que pese seu racionalismo, em criança Nélida viu a cigana lera sorte na palma das mãos das pessoas e acreditava em cartomantes. Nas frequentesleituras literárias, foi tocada pelas sibilas délficas do templo <strong>de</strong> Apolointerpretando no trípo<strong>de</strong> a fumacinha vinda da terra. Encantou-se tambémcom a adivinha Cassandra da Grécia mitológica “que faz brotar segredos”.Seduziu-se pelo mistério dos baralhos, pelo jogo dos búzios, por profecias epelas “mulheres das cartas que lidam com o inefável”. 1A capa apresenta, portanto, em vários níveis, uma solução imagética bastantecriativa, anunciando metaforicamente o que contém o livro: fragmentosdas horas existenciais da escritora Nélida Piñon, tatuadas na palma daprópria mão. Assim, ninguém espere neste tomo, já a partir daí tão singular,polissêmico e inovador, as medievais preces canônicas, nem os estágios daspias recitações diárias, tampouco trechos dos Evangelhos ou atos penitenciaise salmos dos cultos religiosos costumeiros. No ofício cotidiano da escritapara relatar cenas diárias, pessoais e da cultura, com especulações íntimas oufilosóficas sobre a existência, a ficcionista brasileira, ao falar <strong>de</strong> si, traduz nashoras-orações da sua liturgia textual o que a condição humana tem <strong>de</strong> maisesplendoroso e patético. Nisso, lembra Montaigne, o escritor francês renascentista/maneirista,que, ao retratar-se 2 nos Essais (Ensaios), foi porta-voz dosproblemas da Humanida<strong>de</strong> inteira.Todavia, não é apenas este pensador que o texto da acadêmica Nélidarecorda. O crítico e ensaísta Eduardo Portella no expressivo prefácio1Tais afirmações encontram-se no livro da autora Coração andarilho, também <strong>de</strong> memórias publicado em2009 pela Record. O episódio da cigana <strong>de</strong>u-se nas férias da garota em São Lourenço (p.69) e a mençãoà Cassandra “que faz brotar segredos” (pp. 71-72) refere-se ao lendário grego. Alusões a pitonisasespalham-se pelo universo mítico <strong>de</strong> toda a obra da escritora.2Michel <strong>de</strong> Montaigne (1533-1592) no pórtico dos Essais escreveu Je suis moi-même la matière <strong>de</strong> mon livre”(Sou eu mesmo o tema do meu livro). As memórias <strong>de</strong> Nélida, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a obra O pão <strong>de</strong> cada dia (1994),aproximam-se das reflexões do escritor francês, conforme publicamos na Tribuna da Imprensa, Ca<strong>de</strong>rnoBis, no dia do lançamento em 7/12/94, texto republicado, ampliado, em Estudos Galegos: Niterói, EDU-FF, 1996, com o título O pão <strong>de</strong> cada dia, <strong>de</strong> Nélida Piñon.166

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