<strong>Prosa</strong>Poema em prosa:Problemática (in)<strong>de</strong>finiçãoFernando PaixãoEste ensaio parte do princípio – a salientar <strong>de</strong>s<strong>de</strong> já – que opoema em prosa constitui um gênero literário próprio, dotado<strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>s que <strong>de</strong>vem ser percebidas e <strong>de</strong>batidas. Aindaque seja um tipo <strong>de</strong> escrita comum na atualida<strong>de</strong>, sua história érecente (se comparada a outros gêneros) e confun<strong>de</strong>-se com a trajetória<strong>de</strong> ascensão da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> poética, ao longo dos séculosXIX e XX.Bem se sabe que o assunto é controverso. Alguns críticos, porexemplo, preferem consi<strong>de</strong>rá-lo como um antigênero ou mesmonão-gênero, 1 pois <strong>de</strong>ssa maneira realçam o traço <strong>de</strong> vanguarda implícitonessa escrita. Contudo, essa mesma diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> caracteri-Escritor eprofessor <strong>de</strong>Literaturano Instituto<strong>de</strong> EstudosBrasileiros, daUniversida<strong>de</strong><strong>de</strong> São Paulo.1Jonathan Hol<strong>de</strong>r, por exemplo, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que o poema em prosa constitui umantigênero, no livro The Fate of American Poetry (Athens, University of Georgia Press, 1991).Michel Delville estabelece um diálogo com Hol<strong>de</strong>r, em American Prose Poem: Poetic from and theBoundaries of Genre. Gainesville, University Press of Florida, 1998, pp. 12-15.151
Fernando Paixãozação e <strong>de</strong> ênfase só faz por reafirmar o caráter sui generis <strong>de</strong>sse tipo <strong>de</strong> criaçãopoética.Para compreen<strong>de</strong>r a sua natureza, difícil <strong>de</strong> <strong>de</strong>finir, há alguns aspectos essenciaisa se levar em conta e que serão aqui lembrados. A começar por umaquestão semântica importante e que costuma gerar mal-entendidos. É comumhaver certa confusão no modo <strong>de</strong> <strong>de</strong>signar os textos, sobretudo quando envolvemo poema em prosa e outra escrita que lhe é similar: a prosa poética.Por conta da semelhança dos nomes, com frequência toma-se uma coisa pelaoutra.Per<strong>de</strong>-se <strong>de</strong> vista, no entanto, que os dois gêneros envolvem fenômenosdistintos <strong>de</strong> linguagem. De modo geral, po<strong>de</strong>-se afirmar que a ênfase dadaa estes dois tipos <strong>de</strong> texto encontra-se explicitada já na primeira palavra dosrespectivos nomes: poema em prosa e prosa poética. Conforme o gênero, a ênfaserecai sobre um impulso ou outro.No caso da prosa poética, fica evi<strong>de</strong>nte que sua característica principal estárelacionada com as qualida<strong>de</strong>s da prosa; por isso mesmo, apresenta uma tendênciavoltada para acolher textos maiores – narrativos ou não –, mesmo queprocure fixar um olhar lírico sobre a realida<strong>de</strong>. As frases e parágrafos acabampor supor uma dinâmica extensiva para o texto e as imagens evocadas.Em geral, a prosa poética costuma recorrer a figuras típicas da poesia,como a aliteração, a metáfora, a elipse, a sonorida<strong>de</strong> das frases etc. Contudo,o emprego <strong>de</strong>sses elementos subordina-se ao ritmo mais alongado do discurso,voltado para ser, ao final das contas, uma boa prosa.No campo da tradição mo<strong>de</strong>rna, um dos exemplos mais radicais <strong>de</strong> prosapoética a ser citado é o livro Finnegans Wake (1939), cuja elaboração custoumais <strong>de</strong> uma década a James Joyce. Classificado habitualmente como romance– embora seja uma obra que escapa a qualquer classificação –, surpreen<strong>de</strong>pelo modo único com que explora <strong>de</strong> maneira integrada os aspectos formal,musical e imagético da escrita.Alguns críticos chegam mesmo a consi<strong>de</strong>rá-la como a obra máxima doMo<strong>de</strong>rnismo, tal é o grau <strong>de</strong> experimentação que propõe, conseguindo efeitosestéticos surpreen<strong>de</strong>ntes no uso criativo <strong>de</strong> palavras e frases. Ainda assim, com152