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Prosa - Academia Brasileira de Letras

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Fernando Paixãoarticular inteireza e coesão entre forma e conteúdo. As palavras nascem comoque <strong>de</strong> um sopro e avançam para o campo da escrita, sem-cerimônia.Como se dá a ver, por exemplo, neste brevíssimo texto <strong>de</strong> René Char:“Linha <strong>de</strong> féÉ favor das estrelas nos convidar a falar, nos mostrar que não estamos a sós,que a aurora tem um teto e meu fogo tuas mãos.” 16Utilizando-se da frase longa – ao modo <strong>de</strong> uma linha estendida –, o poemaalinhava uma fiada <strong>de</strong> imagens que partem do céu elevado e ganham aaurora, antes <strong>de</strong> passar pelo teto e chegar às mãos amadas. A larga distânciados elementos evocados – do céu aos <strong>de</strong>dos – é inversamente proporcional àproximida<strong>de</strong> das palavras, comprimidas numa única sentença.Nada se sabe sobre o contexto ou motivo da evocação, mas é curioso percebera ênfase manifesta na expressão “é favor das estrelas”. Como se a prestezado verbo se justificasse por algum tópico anterior. E também interior ao sujeitolírico, se levarmos em conta o pórtico do título: linha <strong>de</strong> fé. Compreendidosem conjunto (enunciado e frase), temos uma larga significação sugeridana lança <strong>de</strong> um poema mínimo, certeiro.René Char soube converter em instantâneo os impulsos diversos da suaimaginação. Inventou uma linha estirada entre as estrelas e as mãos admiradas;criou efeito poético num rápido continuum. Que ressoa um toque final <strong>de</strong>elegia, <strong>de</strong>pois da frase. A poesia tem seus mistérios, caprichosos.Muitas vezes nem ao próprio escritor é dado saber por que (e como) ospoemas nascem em corpo <strong>de</strong> prosa.16Este poema em prosa faz parte, juntamente com outros três poemas versificados, do conjunto “Quatre-<strong>de</strong>-chiffre”.In CHAR, René. O nu perdido e outros poemas. São Paulo: Iluminuras, 1995, p. 54.162

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