MIGUEL SANCHES NETOerótica perturba<strong>do</strong>ra, pois se assumira, no poema “O incria<strong>do</strong>”, como aquele“que não po<strong>de</strong> fugir à carne e à memória”.Anos <strong>de</strong>pois, em Poemas, sonetos e baladas (1943), quan<strong>do</strong> <strong>Vinicius</strong>goza <strong>de</strong> uma liberda<strong>de</strong> condicional <strong>de</strong> suas influências <strong>de</strong> estreia, apareceránominada, e fisicamente, a mulher morena, “Rosária”, com quem ele se iniciousexualmente:E eu que era um menino puroNão fui per<strong>de</strong>r a infânciaNo mangue daquela carne!Dizia que era morenaSaben<strong>do</strong> que era mulataDizia que era <strong>do</strong>nzelaNem isso não era ela.Retornan<strong>do</strong> a poemas e tensões <strong>de</strong> Forma e exegese, encontramos oantí<strong>do</strong>to para essa experiência erótica matinal na construção estética <strong>de</strong> ummito feminino da mulher-luz, espiritualizada. Encontrava-se em seu dia a diavariantes sensuais, <strong>de</strong>finidas metaforicamente como cadafalso e voragem, ele<strong>de</strong>sejava um símbolo apazigua<strong>do</strong>r, que po<strong>de</strong>ria ser a mulher clara, comoAlba, <strong>do</strong> poema homônimo. Mas, mesmo Alba é recordada sensualmente,trazen<strong>do</strong> tormenta para o poeta, que não se livra <strong>de</strong> sua luxúria, nem diante<strong>de</strong> possíveis personificações <strong>de</strong> pureza, ambicionadas pelo jovem comformação espiritual. O penúltimo e o último poemas <strong>do</strong> livro fundam-se nestedilema. Aquele é “O nascimento <strong>do</strong> homem”, visto como amante da belezaimpura, com vocação sensual. Poema longo, em que vislumbramos quaseuma certidão <strong>de</strong> nascimento <strong>do</strong> homem no poeta i<strong>de</strong>alista. Mas este volta no<strong>de</strong>rra<strong>de</strong>iro texto, um fragmento intitula<strong>do</strong> “A criação da poesia (I<strong>de</strong>al)”, quetraz uma epígrafe revela<strong>do</strong>ra: “O poeta parte no eterno renovamento. Masseu <strong>de</strong>stino é fugir sempre ao homem que ele traz em si”. E a palavra <strong>de</strong>rra<strong>de</strong>ira<strong>do</strong> livro, que tenta anular as solicitações da carne, vastamente representadaao longo <strong>do</strong>s poemas, é “anjo”, o antípoda <strong>do</strong> homem que <strong>de</strong>ve ser anula<strong>do</strong>pela força da poesia e <strong>do</strong> i<strong>de</strong>al.I<strong>de</strong>al que ele buscará num transe, durante um sonho, na figura <strong>de</strong> Ariana(Ariana, a mulher, 1936) – representação intangível da figura imaginária dabranca amada, a Exaltada (sic), imagem da mulher transfigurada em perfeiçãoangélica. Este conceito olímpico <strong>de</strong> mulher é fortaleci<strong>do</strong> pela mitologia20
VINICIUS DE MORAES: O POETA DA PROXIMIDADEhollywoodiana <strong>do</strong>s anos 1930, que surgia, para os habitantes <strong>do</strong> espaço<strong>de</strong>sloca<strong>do</strong> das periferias, como promessa <strong>de</strong> estranhamento e <strong>de</strong>distanciamento. <strong>Vinicius</strong>, especta<strong>do</strong>r profissional, percorreu esse caminho dadistância em filmes americanos que lhe transmitiram uma miragem feminina.Italo Calvino, sofren<strong>do</strong> as mesmas influências, <strong>de</strong>ixou algumas notas que<strong>de</strong>finem com precisão o drama <strong>de</strong> nosso poeta cindi<strong>do</strong>: “As mulheres [nocinema francês] tinham uma presença carnal que as empossava na memóriacomo mulheres vivas e, ao mesmo tempo, como fantasmas eróticos, ao passoque nas estrelas <strong>de</strong> Hollywood o erotismo era sublima<strong>do</strong>, estiliza<strong>do</strong>, i<strong>de</strong>aliza<strong>do</strong>.(Mesmo a mais carnal das americanas <strong>de</strong> então, a loura platinada Jean Harlow,tornava-se irreal pelo alvor <strong>de</strong>slumbrante da pele. No preto e branco a força<strong>do</strong> branco operava uma transfiguração <strong>do</strong>s rostos femininos, das pernas, <strong>do</strong>sombros e <strong>de</strong>cotes, fazia <strong>de</strong> Marlene Dietrich não o objeto imediato <strong>do</strong> <strong>de</strong>sejo,mas o próprio <strong>de</strong>sejo como essência extraterrestre)” (p. 49). A fixação nesseimaginário, que tirava a mulher <strong>do</strong> convívio terreno para colocá-la no pe<strong>de</strong>staldas musas perfeitas, produz uma impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> reconhecê-la no dia adia. O poeta, em Ariana, a mulher, percorre to<strong>do</strong>s os lugares à procura daamada, sem encontrá-la. Resta-lhe, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>ssa miragem, uma espécie <strong>de</strong>vazio, ten<strong>do</strong> que, passada a fase mais i<strong>de</strong>alizante, se entregar sem traumasmetafísicos à mulher imediata.A mulher salva<strong>do</strong>ra não será imaginária, mas a jovem bonita e sensualque o livrará <strong>de</strong> ver nela a in<strong>de</strong>sejada da qual ele foge, dan<strong>do</strong> início ao longocaminho por várias mulheres, centro <strong>de</strong> sua poesia e <strong>de</strong> sua visão <strong>de</strong> mun<strong>do</strong>.O seu Velho Testamento acaba com as Cinco elegias (1943), ainda ligadasao estilo <strong>de</strong>rrama<strong>do</strong>. Daí serem <strong>de</strong>dicadas, quase como que in memorian, aOctavio <strong>de</strong> Faria e outros amigos <strong>do</strong> grupo. Este livro temporão, já haviasi<strong>do</strong> publica<strong>do</strong> Novos poemas (1938), traz sinais <strong>de</strong> ruptura, como a últimadas elegias, que reproduz uma percepção visual <strong>do</strong> bairro londrino <strong>de</strong> Chelsea,local on<strong>de</strong> o autor conjuga o amor lascivo com sua primeira mulher, BeatrizAzeve<strong>do</strong> <strong>de</strong> Mello, conhecida como Tati. Ele se afasta fisicamente <strong>do</strong> <strong>Brasil</strong>,in<strong>do</strong> estudar em Oxford, distancian<strong>do</strong>-se ainda mais da influência recebidanos anos <strong>de</strong> formação, e encontra na língua inglesa e nos poetas li<strong>do</strong>s naInglaterra novos paradigmas. É um momento <strong>de</strong> renovação, expressa nessaelegia que mistura português e inglês, que consolida a presença <strong>de</strong> poetasmais liga<strong>do</strong>s a uma estética mo<strong>de</strong>rna. É o momento <strong>de</strong> viver unifica<strong>do</strong> emuma personalida<strong>de</strong> <strong>de</strong>finida, superan<strong>do</strong> a cisão anterior, o seu NovoTestamento, escrito na pele <strong>de</strong> tantas mulheres, cuja sensualida<strong>de</strong> é tida agora21
- Page 1: EMBAIXADOR DO BRASIL
- Page 6 and 7: Tramitação Legislativa, 99a. Mens
- Page 8 and 9: CELSO AMORIMmovimento de “caça
- Page 10 and 11: AFFONSO ARINOS DE MELLO FRANCOHelle
- Page 12 and 13: AFFONSO ARINOS DE MELLO FRANCOrespo
- Page 14 and 15: AFFONSO ARINOS DE MELLO FRANCOEm um
- Page 16 and 17: MIGUEL SANCHES NETOUma visão, port
- Page 18 and 19: MIGUEL SANCHES NETOele encontra um
- Page 22 and 23: MIGUEL SANCHES NETOcomo força motr
- Page 24 and 25: MIGUEL SANCHES NETOse viram partíc
- Page 26 and 27: MIGUEL SANCHES NETOGentil-homem ins
- Page 28 and 29: MIGUEL SANCHES NETOmanifestava pela
- Page 30 and 31: MIGUEL SANCHES NETOMe diga sinceram
- Page 32 and 33: MIGUEL SANCHES NETONABUCO, Joaquim.
- Page 34 and 35: RICARDO CRAVO ALBINliteratura, de p
- Page 36 and 37: RICARDO CRAVO ALBINouvidos - e o co
- Page 38 and 39: RICARDO CRAVO ALBINLogo na loura fi
- Page 40 and 41: RICARDO CRAVO ALBINsala um pequeno
- Page 42 and 43: RICARDO CRAVO ALBINO Cônsul Vinici
- Page 44 and 45: RICARDO CRAVO ALBINO senhor tenha u
- Page 46 and 47: RICARDO CRAVO ALBINAlmeida. Este sa
- Page 48 and 49: RICARDO CRAVO ALBINOh! minha amada
- Page 50 and 51: RICARDO CRAVO ALBINum violão total
- Page 52 and 53: RICARDO CRAVO ALBINAinda neste ano
- Page 54 and 55: RICARDO CRAVO ALBINatriz Odette Lar
- Page 57 and 58: Vinicius de Moraes e a PátriaFelip
- Page 59 and 60: VINICIUS DE MORAES E A PÁTRIAgraç
- Page 61 and 62: VINICIUS DE MORAES E A PÁTRIAPerga
- Page 63: VINICIUS DE MORAES E A PÁTRIAque p
- Page 66 and 67: FORMATURA IRBRafastar-se de nosso c
- Page 69 and 70: Tramitação no Poder Executivo69
- Page 71 and 72:
TRAMITAÇÃO NO PODER EXECUTIVO71
- Page 73 and 74:
Artigo de Bernardo de Mello Franco,
- Page 75 and 76:
ARTIGO NO JORNAL O GLOBOOs 13 diplo
- Page 77 and 78:
ARTIGO NO JORNAL O GLOBOUm dossiê
- Page 79 and 80:
ARTIGO NO JORNAL O GLOBOCentro do R
- Page 81 and 82:
ARTIGO NO JORNAL O GLOBOexilados a
- Page 83 and 84:
ARTIGO NO JORNAL O GLOBO83
- Page 85 and 86:
Tramitação Legislativaa. Mensagem
- Page 87 and 88:
TRAMITAÇÃO LEGISLATIVAb. Parecer
- Page 89 and 90:
TRAMITAÇÃO LEGISLATIVAO mesmo Ruy
- Page 91 and 92:
TRAMITAÇÃO LEGISLATIVAditaduras.
- Page 93 and 94:
TRAMITAÇÃO LEGISLATIVAMas é a vi
- Page 95 and 96:
TRAMITAÇÃO LEGISLATIVAd. Votaçã
- Page 97 and 98:
TRAMITAÇÃO LEGISLATIVADeclaraçã
- Page 99 and 100:
TRAMITAÇÃO LEGISLATIVA99
- Page 101 and 102:
TRAMITAÇÃO LEGISLATIVAf. Votaçã
- Page 103 and 104:
TRAMITAÇÃO LEGISLATIVAAprovada.É
- Page 105:
Lei nº 12.265, de 21 de junho de 2
- Page 109 and 110:
109
- Page 111 and 112:
ANEXOSVinicius, aos 20 anos de idad
- Page 113 and 114:
ANEXOSVinicius de Moraes, na décad
- Page 115 and 116:
ANEXOSVinicius de Moraes, com o Pre
- Page 117 and 118:
ANEXOSCom o Presidente Luiz Inácio
- Page 119 and 120:
ANEXOS119
- Page 121 and 122:
ANEXOSCom o Presidente Luiz Inácio
- Page 123 and 124:
ANEXOSManuscrito de carta ao amigo
- Page 125 and 126:
ANEXOSCom Baden Powell, em 1964.125
- Page 127 and 128:
ANEXOSCom Maria Bethânia, em 1966.
- Page 129:
ANEXOSVinicius, em 1976.129