BERNARDO DE MELLO FRANCOBarbosa sofreu uma pena adicional: passou <strong>do</strong>is meses na In<strong>do</strong>nésiareceben<strong>do</strong> apenas um salário mínimo, em cruzeiros. De volta ao <strong>Brasil</strong>, viu asdificulda<strong>de</strong>s financeiras se agravarem. A discriminação, também:— Muitos colegas que consi<strong>de</strong>rava amigos nunca mais me procuraram.Houve um silêncio acovarda<strong>do</strong> da carneirada, <strong>do</strong> rebanho.O diplomata se tornou um tradutor respeita<strong>do</strong> <strong>de</strong> autores como CharlesDickens e Virginia Woolf. Vive com poucos recursos numa casa em SantaTeresa, sozinho e com um cachorro.O mais novo da lista era o segun<strong>do</strong> secretário Ricar<strong>do</strong> Joppert. Em abril<strong>de</strong> 1969, ele servia no consula<strong>do</strong> <strong>de</strong> Gotemburgo quan<strong>do</strong> foi convoca<strong>do</strong> avoltar às pressas para o <strong>Brasil</strong>. Ao embarcar num avião da Varig, leu numexemplar <strong>do</strong> GLOBO a notícia da sua aposenta<strong>do</strong>ria. Tinha apenas 28 anos.— Nunca escondi que era homossexual. Na época isso era visto comoproblema, porque a socieda<strong>de</strong> não estava preparada para encarar as minorias— analisa ele, que foi reintegra<strong>do</strong> em 1986 e hoje serve no Museu Históricoe Diplomático, no Rio.Para a oficial <strong>de</strong> chancelaria Nair Saud, a <strong>de</strong>missão significou uma rupturatraumática com a casa on<strong>de</strong> conseguiu seu primeiro emprego, aos 17 anos.Aos 86, ela ainda não se conforma com a cassação por “risco <strong>de</strong> segurança”,como indica o relatório secreto da Comissão <strong>de</strong> Investigação Sumária.— Meu irmão ficou oito anos sem falar comigo. Disse que preferia teruma irmã prostituta a uma irmã comunista. Era tu<strong>do</strong> mentira, porque eu nuncame meti com política. Mas gente que frequentava minha casa <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> mecumprimentar, como se eu tivesse uma <strong>do</strong>ença — emociona-se.<strong>Vinicius</strong>: vida boêmia vigiada <strong>de</strong> pertoComo po<strong>de</strong> um poeta ameaçar uma ditadura? No caso <strong>de</strong> <strong>Vinicius</strong> <strong>de</strong><strong>Moraes</strong>, o risco parecia ainda mais remoto. Nos anos 60, enquanto osmilitares caçavam comunistas, ele cumpria uma rotina inofensiva emovimentada. De dia, dava expediente como diplomata no Palácio <strong>do</strong>Itamaraty. À noite, fazia a ronda pelos bares <strong>de</strong> Copacabana, quan<strong>do</strong> nãoestava no palco <strong>de</strong> boates ao la<strong>do</strong> <strong>de</strong> colegas da bossa nova como TomJobim e Nara Leão. Com os livros, os discos e os sucessivos namoros ecasamentos, às vezes simultâneos, sobrava pouco tempo para pensar empolítica. Mesmo assim, os arapongas mantiveram vigilância cerrada sobreos passos <strong>do</strong> poetinha.76
ARTIGO NO JORNAL O GLOBOUm <strong>do</strong>ssiê secreto <strong>do</strong> Serviço Nacional <strong>de</strong> Informações (SNI) a que OGLOBO teve acesso revela que <strong>Vinicius</strong> esteve na mira <strong>de</strong> diversos órgãos<strong>de</strong> espionagem antes <strong>de</strong> ser cassa<strong>do</strong>, em 1969. A lista vai da polícia da antigaGuanabara ao temi<strong>do</strong> Centro <strong>de</strong> Informações da Marinha (Cenimar). Até aaposenta<strong>do</strong>ria pelo AI-5, o resumo <strong>do</strong> seu prontuário registra 32 anotações,em cinco páginas batidas à máquina.A maior parte <strong>do</strong>s arquivos narra fatos sem importância, como aparticipação em shows e manifestos <strong>de</strong> intelectuais. Outras folhas <strong>de</strong>screvem<strong>Vinicius</strong> como “comunista e escritor” e sócio <strong>do</strong> Centro <strong>Brasil</strong>eiro <strong>de</strong> Cultura,“organização <strong>de</strong> fachada <strong>do</strong> movimento comunista internacional”. Em 1966,a agência gaúcha <strong>do</strong> SNI tratou o poeta como “margina<strong>do</strong>, que é ao mesmotempo diplomata e sambista”. Em 1968, um araponga <strong>do</strong> Centro <strong>de</strong>Informações <strong>do</strong> Exército (CIE) redigiu uma nota mais sucinta: “Boêmio, pareceter erra<strong>do</strong> <strong>de</strong> profissão”.A preferência pela noite foi a <strong>de</strong>sculpa da Comissão <strong>de</strong> InvestigaçãoSumária para incluir <strong>Vinicius</strong> entre os cassáveis. A justificativa aparece num<strong>do</strong>ssiê da Aeronáutica sobre as <strong>de</strong>missões. Junto a seu nome, o <strong>do</strong>cumentotraz a explicação: “alcoólatra”.Surpreen<strong>de</strong>ntemente, o relatório secreto elogia o poeta e ofereceuma alternativa à <strong>de</strong>missão. “Consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> que a conduta <strong>do</strong> primeirosecretário<strong>Vinicius</strong> <strong>de</strong> <strong>Moraes</strong> é incompatível com as exigências e o<strong>de</strong>coro da carreira diplomática, mas em atenção aos seus méritos <strong>de</strong>homem <strong>de</strong> letras e artista consagra<strong>do</strong>, cujo valor não <strong>de</strong>sconhece, acomissão propõe o seu aproveitamento no Ministério da Educação eCultura”.Não se sabe se a sugestão era para valer, mas <strong>Vinicius</strong> foi aposenta<strong>do</strong>compulsoriamente dias <strong>de</strong>pois, aos 55 anos. Ficou indigna<strong>do</strong> com o atoarbitrário, mas manteve o bom humor. Quan<strong>do</strong> circulou que a <strong>de</strong>golaatingira homossexuais e bêba<strong>do</strong>s, apressou-se a avisar:— Eu sou alcoólatra!Apesar da brinca<strong>de</strong>ira, o poeta se abateu com a <strong>de</strong>missão sumária.— Foi uma sacanagem a forma como me expulsaram <strong>do</strong> Itamaraty— <strong>de</strong>sabafou, numa entrevista em 1979.A imagem <strong>de</strong> vagabun<strong>do</strong> traçada pelos militares não combina comos registros funcionais <strong>do</strong> poeta. Dividida em três pastas amareladas, aficha <strong>de</strong> <strong>Vinicius</strong> contém fartos elogios a seu talento e condutaprofissional. Três boletins <strong>de</strong> avaliação interna o classificam como “acima77
- Page 1:
EMBAIXADOR DO BRASIL
- Page 6 and 7:
Tramitação Legislativa, 99a. Mens
- Page 8 and 9:
CELSO AMORIMmovimento de “caça
- Page 10 and 11:
AFFONSO ARINOS DE MELLO FRANCOHelle
- Page 12 and 13:
AFFONSO ARINOS DE MELLO FRANCOrespo
- Page 14 and 15:
AFFONSO ARINOS DE MELLO FRANCOEm um
- Page 16 and 17:
MIGUEL SANCHES NETOUma visão, port
- Page 18 and 19:
MIGUEL SANCHES NETOele encontra um
- Page 20 and 21:
MIGUEL SANCHES NETOerótica perturb
- Page 22 and 23:
MIGUEL SANCHES NETOcomo força motr
- Page 24 and 25:
MIGUEL SANCHES NETOse viram partíc
- Page 26 and 27: MIGUEL SANCHES NETOGentil-homem ins
- Page 28 and 29: MIGUEL SANCHES NETOmanifestava pela
- Page 30 and 31: MIGUEL SANCHES NETOMe diga sinceram
- Page 32 and 33: MIGUEL SANCHES NETONABUCO, Joaquim.
- Page 34 and 35: RICARDO CRAVO ALBINliteratura, de p
- Page 36 and 37: RICARDO CRAVO ALBINouvidos - e o co
- Page 38 and 39: RICARDO CRAVO ALBINLogo na loura fi
- Page 40 and 41: RICARDO CRAVO ALBINsala um pequeno
- Page 42 and 43: RICARDO CRAVO ALBINO Cônsul Vinici
- Page 44 and 45: RICARDO CRAVO ALBINO senhor tenha u
- Page 46 and 47: RICARDO CRAVO ALBINAlmeida. Este sa
- Page 48 and 49: RICARDO CRAVO ALBINOh! minha amada
- Page 50 and 51: RICARDO CRAVO ALBINum violão total
- Page 52 and 53: RICARDO CRAVO ALBINAinda neste ano
- Page 54 and 55: RICARDO CRAVO ALBINatriz Odette Lar
- Page 57 and 58: Vinicius de Moraes e a PátriaFelip
- Page 59 and 60: VINICIUS DE MORAES E A PÁTRIAgraç
- Page 61 and 62: VINICIUS DE MORAES E A PÁTRIAPerga
- Page 63: VINICIUS DE MORAES E A PÁTRIAque p
- Page 66 and 67: FORMATURA IRBRafastar-se de nosso c
- Page 69 and 70: Tramitação no Poder Executivo69
- Page 71 and 72: TRAMITAÇÃO NO PODER EXECUTIVO71
- Page 73 and 74: Artigo de Bernardo de Mello Franco,
- Page 75: ARTIGO NO JORNAL O GLOBOOs 13 diplo
- Page 79 and 80: ARTIGO NO JORNAL O GLOBOCentro do R
- Page 81 and 82: ARTIGO NO JORNAL O GLOBOexilados a
- Page 83 and 84: ARTIGO NO JORNAL O GLOBO83
- Page 85 and 86: Tramitação Legislativaa. Mensagem
- Page 87 and 88: TRAMITAÇÃO LEGISLATIVAb. Parecer
- Page 89 and 90: TRAMITAÇÃO LEGISLATIVAO mesmo Ruy
- Page 91 and 92: TRAMITAÇÃO LEGISLATIVAditaduras.
- Page 93 and 94: TRAMITAÇÃO LEGISLATIVAMas é a vi
- Page 95 and 96: TRAMITAÇÃO LEGISLATIVAd. Votaçã
- Page 97 and 98: TRAMITAÇÃO LEGISLATIVADeclaraçã
- Page 99 and 100: TRAMITAÇÃO LEGISLATIVA99
- Page 101 and 102: TRAMITAÇÃO LEGISLATIVAf. Votaçã
- Page 103 and 104: TRAMITAÇÃO LEGISLATIVAAprovada.É
- Page 105: Lei nº 12.265, de 21 de junho de 2
- Page 109 and 110: 109
- Page 111 and 112: ANEXOSVinicius, aos 20 anos de idad
- Page 113 and 114: ANEXOSVinicius de Moraes, na décad
- Page 115 and 116: ANEXOSVinicius de Moraes, com o Pre
- Page 117 and 118: ANEXOSCom o Presidente Luiz Inácio
- Page 119 and 120: ANEXOS119
- Page 121 and 122: ANEXOSCom o Presidente Luiz Inácio
- Page 123 and 124: ANEXOSManuscrito de carta ao amigo
- Page 125 and 126: ANEXOSCom Baden Powell, em 1964.125
- Page 127 and 128:
ANEXOSCom Maria Bethânia, em 1966.
- Page 129:
ANEXOSVinicius, em 1976.129