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Chicos 47 21.12.2016

e-zine literária de Cataguases - MG

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<strong>Chicos</strong> <strong>47</strong><br />

Antônio Jaime Soares<br />

Nasceu em Cataguases - MG, lá na Chave.<br />

Participou de um dos movimentos culturais mais<br />

ativo dos anos 60 em Cataguases, o CAC.<br />

Depois de morar um longo tempo no Rio de Janeiro,<br />

onde entre outras foi redator de publicidade.<br />

Retornou a Cataguases direto para a Vila.<br />

Poeta e cronista publicou Pedra que não quebra<br />

(crônicas - 2011)<br />

Laranjal era uma farra<br />

Cidade minúscula e pacífica, em<br />

1956, quando morei lá. Nenhuma ocorrência<br />

policial, que eu saiba. Só um pequeno incidente,<br />

quando duas famílias classe média se esbofetearam<br />

à luz do dia, no meio da rua. Depois eu<br />

conto.<br />

Apenas uma rua calçada de paralelepípedos.<br />

As outras eram a de Trás, a do Sapo, a da<br />

Lagartixa e o Camin Novo, aonde, aos domingos,<br />

os namorados iam beijar, para escândalo<br />

das beatas e delícia da molecada, só na moita.<br />

Duas igrejas, duas pracinhas, um tímido comércio,<br />

economia rural.<br />

Famílias de mais posses dominavam a política,<br />

como em todo lugar. mas deixemos isso<br />

de lado. Uma delas produziu Sérgio Naya e outra,<br />

Acacinho, cientista respeitado, até por ter<br />

descoberto uma lagarta jurássica na região de<br />

Ouro Preto, batizada em sua homenagem: Peripatus<br />

acaciol. Muito chique.<br />

Erondina, por quaisquer dez tostões, abria<br />

as pernas, deleite da rapeize. Sobrinha minha,<br />

com três anos, a viu raspando as axilas e disse<br />

que ela estava “fazendo barba debaixo do braço”.<br />

Pascoalito, filho de espanhóis, impressionava<br />

porque, já avô de adultos, cuidava de três filhos<br />

quase de colo, cuja mãe, tísica, tratava-se<br />

num sanatório. Gostei de vê-lo um dia dedilhando<br />

um piano direitinho, numa loja. Tenho comigo<br />

que pianos, lá, eram mais comuns que geladeiras.<br />

Tanto que ouvi uma pianista dizer para<br />

sua amiga que havia chupado mexerica gelada,<br />

que luxo.<br />

Té Muié, casado, pai de duas filhas com<br />

fama de lésbicas, além de fuxiqueiro, era pedófilo,<br />

vivia dando em cima dos garotos. Estes, por<br />

sua vez, não davam trégua a Aristote, o doidinho<br />

local, tipo passar a mão na bunda. E macaqueavam<br />

um que sofria de dança-de-são-guido,<br />

patético, por exemplo, fazendo todo aquele esforço<br />

para acender o cigarro, maior ainda quando<br />

tinha que apanhar a caixa a caixa de fósforos<br />

que caía na calçada.<br />

Falava-se de tudo e de todos, e tudo ia<br />

dar aos ouvidos de padre Boanerges, um inquisidor.<br />

Mesmo mangas curtas as mulheres não podiam<br />

usar, por ordens dele, que ameaçava meninos<br />

e meninas com o fogo do inferno, até que<br />

confessassem seus atos “impuros”. Num sermão,<br />

disse que os comunistas acabariam por fazer o<br />

que foi feito durante a Revolução Francesa, que<br />

transformou igrejas em bordéis, instalando meretrizes<br />

nos altares.<br />

Contei isso a um que se diz católico praticante<br />

(no fundo chegado a um bordel) e falou<br />

que, se ouvisse o sermão, viraria comunista. Já<br />

outro padre que passou por lá brincava de roda,<br />

de mãos nas cadeiras, interpretando o Pai Francisco:<br />

“Não é que ele vem todo requebrado, parece<br />

um moleque desengonçado”.

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