Chicos 47 21.12.2016

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Chicos 47 Muito esquisito, num tempo em que a Igreja, soleníssima, falava latim. As moçoilas que ficavam “faladas” tinham que se mandar de lá, se quisessem casar, e o padre só lhes dava meia hóstia, o que levou uma delas a se recusar a abrir a boca. Bailes aconteciam no salão da prefeitura, os negros dançando do lado de fora, feito no tempo da senzala. Num carnaval, suprema audácia, três moças bonitas e ricas fantasiaram-se de bailarinas, mostrando as pernas, com um chicotinho, para espantar a mocidade louca. Curti muito o cineminha do padre e mais ainda um circo, onde vi o drama Sansão e Dalila, e Heloísa, “a garota que tem o micróbio do samba”, um dos epítetos que pensaram para Carmem Miranda. Havia só um farmacêutico, que também fazia partos, e um curandeiro. Hoje tem hospital, colégio, rádio, heliporto, talvez até motel, porém, no fundo, continua tudo como dantes, pelo que pude observar, trinta anos depois: na piscina do clube, uma fêmea mais donairosa era alvo de intensas investigações sobre sua, putativa, libido descontrolada. Sobre adultério, nos velhos tempos, só sei de um senhor que ia todo dia a Leopoldina, de terno e chapéu. “Jogar no bicho” diziam. Na verdade, ver amante, soube depois. Quanto às duas famílias que brigaram, o pau comeu, mas vou deixá-las brigando em paz, se é que isso é possível. É, sim, ou era, na Laranjal muito acanhada, e não menos assanhada, de antanho. Cataguases, 20.07.2003
Chicos 47 Luiz Ruffato Nasceu em Cataguases MG, reside em São Paulo SP. Entre tantas obras de sua autoria destacam-se: Eles eram muitos cavalos, de 2001, ganhou o Troféu APCA oferecido pela Associação Paulista de Críticos de Arte e o Prêmio Machado de Assis da Fundação Biblioteca Nacional. Esse livro o tornou um escritor reconhecido no país. Em 2011 concluiu o projeto Inferno Provisório, com a publicação do romance Domingos Sem Deus, iniciado com Mamma, son tanto Felice em 2005, composto por cinco livros sobre o operariado brasileiro. Lendo os Clássicos Viagem à roda do meu quarto (1794) Expedição noturna à roda do meu quarto (1825) Xavier de Maistre (1763-1852) - França Tradução: Marques Rebelo São Paulo: Estação Liberdade, 1989, 160 páginas
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