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Chicos 47 21.12.2016

e-zine literária de Cataguases - MG

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<strong>Chicos</strong> <strong>47</strong><br />

W. J. Solha<br />

Waldemar José Solha, escritor, cordelista,<br />

ator e artista plástico nascido em Sorocaba<br />

(SP), mora em João Pessoa (PB) desde 1962.<br />

É autor dos romances: Israel Rêmora (1975),<br />

A Canga (1978), A Verdadeira História de Jesus<br />

(1979), Zé Américo Foi Princeso no Trono<br />

da Monarquia (1984), A Batalha de Oliveiros<br />

(1989), Shake-up (1997).<br />

PARA FUGIR DOS VIVOS – romance de Eltânia André<br />

Não sei se todo mundo sentiu ou vai<br />

sentir o mesmo que eu ao ler esse romance: que<br />

ele fala do seu leitor. Talvez, no meu caso, porque<br />

os dois narradores são filhos de um carpinteiro<br />

que morre de pneumonia, como meu pai.<br />

Talvez porque um deles é funcionário do Banco<br />

do Brasil – do qual sou aposentado, e o outro,<br />

escritor – como eu. Depois do enterro do meu<br />

pai, ao voltar para a sua casa, vi um de seus<br />

chapéus cinzas, pensei em ficar com ele, mas ao<br />

levá-lo à cabeça descobri que o velho – que me<br />

parecia tão alto - era menor do que eu. No romance,<br />

esse é o símbolo maior do morto, objeto<br />

de que os filhos têm medo e que a mãe põe<br />

num altar.<br />

PARA FUGIR DOS VIVOS – dessa mineira de<br />

Cataguases radicada em São Paulo - é um livro<br />

triste. “Aprendi muito cedo que vida é solidão”,<br />

diz o primeiro narrador. E, noutro ponto: “não<br />

acredito nos homens, não acredito nas religiões,<br />

nem na política ou na filosofia, sequer no alívio<br />

material do consumo. Não há escapatória, quando<br />

se encara a vida a sangue frio. (...) Convivo<br />

com o vazio”. Mais adiante: “Nada muda com<br />

sua morte. Os ônibus continuam a circular, o<br />

comércio não fecha as portas, a engrenagem da<br />

vida funciona no mesmo ritmo”.<br />

Eltânia André habilidosamente constrói seus personagens<br />

pelas palavras que usam. A mulher<br />

com quem o bancário se casa é uma réplica da<br />

mãe que ele teve: “estou casada com um homem<br />

imprestável, não tem expediente para nada,<br />

é tudo eu: essa droga dessa lâmpada está<br />

queimada há dois dias e você nem se toca...” E<br />

a mãe, num passado um tanto distante:<br />

“Engenheiro! Engenheiro é profissão de gente<br />

rica. Ponha-se no seu lugar, (...) vá estudar para<br />

passar no concurso do Banco do Brasil ou da<br />

Caixa Econômica, isso sim é um destino promissor<br />

para você”.<br />

É impressionante quando ele enche, aqui e ali,<br />

meias páginas de expressões em que emperra,<br />

tipo “medroso medroso medroso medroso”,<br />

“burro burro burro burro”, ou “fracassado”,<br />

“estúpido”, “verme verme verme verme”. Miguel<br />

acaba, por essas e outras, um personagem<br />

difícil de esquecer. A parte final do romance,<br />

que é o seu livro, contrasta enormemente com a<br />

inicial, do irmão. Na sua narração, as paixões<br />

dominantes são o futebol e uma colega de quem<br />

não tem coragem de se aproximar. Na do outro,<br />

as referências são a Coleridge, Camus, Thomas<br />

Mann e assemelhados, e confissões como “uma<br />

resenha com crítica positiva da minha obra na<br />

Folha de São Paulo, página inteira, é uma descarga<br />

de libido superior a uma boa trepada. Ganhar<br />

prêmios nacionais: a foda perfeita; internacionais<br />

– o ápice do orgasmo”.<br />

A forte lembrança de uma infância extremamente<br />

angustiante une, desune os irmãos. Cada um<br />

segue seu rumo, até que – anos depois da morte<br />

do pai terrível, morre a terrível mãe e eles vão à<br />

casa dela e se desfazem de tudo. “Por fim, o<br />

caminhão veio e, em poucos minutos, os homens<br />

deixavam ecos pela casa vazia”.

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