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A ESCRAVA ISAURA - BERNARDO GUIMARAES

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as outras escravas para o cafezal, ficando ele quase a sós com Isaura no meio<br />

daqueles vastos e desertos edifícios.<br />

— Dir-me-ão que, sendo Isaura uma escrava, Leôncio, para achar-se a sós<br />

com ela não precisava de semelhantes subterfúgios, e nada mais tinha a fazer do<br />

que mandá-la trazer à sua presença por bem ou por mal. Decerto ele assim podia<br />

proceder, mas não sei que prestígio tem, mesmo em uma escrava, a beleza unida à<br />

nobreza da alma, e à superioridade da inteligência, que impõe respeito aos entes<br />

ainda os mais perversos e corrompidos. Por isso Leôncio, a despeito de todo o seu<br />

cinismo e obcecação, não podia eximir-se de render no fundo d'alma certa<br />

homenagem à beleza e virtudes daquela escrava excepcional, e de tratá-la com<br />

mais alguma delicadeza do que às outras.<br />

— Isaura, — disse Leôncio, continuando o diálogo que deixamos apenas<br />

encetado, — fica sabendo que agora a tua sorte está inteiramente entre as minhas<br />

mãos.<br />

— Sempre esteve, senhor, — respondeu humildemente Isaura.<br />

— Agora mais que nunca. Meu pai é falecido, e não ignoras que sou eu o<br />

seu único herdeiro. Malvina por motivos, que sem dúvida terás adivinhado, acaba de<br />

abandonar-me, e retirou-se para a casa de seu pai. Sou eu, pois, que hoje<br />

unicamente governo nesta casa, e disponho do teu destino. Mas também, Isaura, de<br />

tua vontade unicamente depende a tua felicidade ou a tua perdição.<br />

— De minha vontade!... oh! Não, senhor; minha sorte depende unicamente<br />

da vontade de meu senhor.<br />

— E eu bem desejo - replicou Leôncio com a mais terna inflexão de voz, —<br />

com todas as forças de minha alma, tornar-te a mais feliz das criaturas; mas como,<br />

se me recusas obstinadamente a felicidade, que tu, só tu me poderias dar?...<br />

— Eu, senhor?! oh! por quem é, deixe a humilde escrava em seu lugar;<br />

lembre-se da senhora D. Malvina, que é tão formosa, tão boa, e que tanto lhe quer<br />

bem. É em nome dela que lhe peço, meu senhor; deixe de abaixar seus olhos para<br />

uma pobre cativa, que em tudo está pronta para lhe obedecer, menos nisso, que o<br />

senhor exige...<br />

— Escuta, Isaura; és muito criança, e não sabes dar ás coisas o devido<br />

peso. Um dia, e talvez já tarde, te arrependerás de ter rejeitado o meu amor.,<br />

— Nunca! - exclamou Isaura. — Eu cometeria uma traição infame para com<br />

minha senhora, se desse ouvidos às palavras amorosas de meu senhor.<br />

— Escrúpulos de criança!... escuta ainda, Isaura. Minha mãe vendo a tua<br />

linda figura e a viveza de teu espírito, — talvez por não ter filha alguma, — desvelouse<br />

em dar-te uma educação, como teria dado a uma filha querida. Ela amava-te<br />

extremosamente, e se não deu-te a liberdade foi com o receio de perder-te; foi para<br />

conservar-te sempre junto de si. Se ela assim procedia por amor, como posso eu<br />

largar-te de mão, eu que te amo com outra sorte de amor muito mais ardente e<br />

exaltado, um amor sem limites, um amor que me levará à loucura ou ao suicídio, se<br />

não... mas que estou a dizer!... Meu pai, — Deus lhe perdoe, – levado por uma<br />

sórdida avareza, queria vender tua liberdade por um punhado de ouro, como se<br />

houvesse ouro no mundo que valesse os inestimáveis encantos, de que os céus te<br />

dotaram.<br />

— Profanação!... eu repeliria, como quem repele um insulto, todo aquele<br />

que ousasse vir oferecer-me dinheiro pela tua liberdade. Livre és tu, porque Deus<br />

não podia formar um ente tão perfeito para votá-lo à escravidão. Livre és tu, porque<br />

assim o queria minha mãe, e assim o quero eu. Mas, Isaura, o meu amor por ti é<br />

imenso; eu não posso, eu não devo abandonar-te ao mundo. Eu morreria de dor, se<br />

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