09.04.2017 Views

A ESCRAVA ISAURA - BERNARDO GUIMARAES

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

www.nead.unama.br<br />

Agora o desconhecerás; já não tem aquele exterior tão grosseiro e<br />

desagradável, e tem tomado outras maneiras menos toscas. Toma ânimo, minha<br />

filha; quando saíres deste triste calabouço, o ar da liberdade te restituirá a alegria e<br />

a tranqüilidade, e mesmo com o marido que te dão poderás viver feliz...<br />

— Feliz! — exclamou Isaura com amargo sorriso: — não me fale em<br />

felicidade, meu pai. Se ao menos eu tivesse o coração livre como outrora... se não<br />

amasse a ninguém. Oh!... não era preciso que ele me amasse, não; bastava que me<br />

quisesse para escrava, aquele anjo de bondade, que em vão empregou seus<br />

generosos esforços para arrancar-me deste abismo. Quanto eu seria mais feliz do<br />

que sendo mulher desse pobre homem, com quem me querem casar! Mas ai de<br />

mim! devo eu pensar mais nele? pode ele, nobre e rico cavalheiro, lembrar-se ainda<br />

da pobre e infeliz cativa!...<br />

— Sim, minha filha, não penses mais nesse homem; varre da tua idéia esse<br />

amor tresloucado; sou eu quem te peço e te aconselho.<br />

— Por que, meu pai?... como poderei ser ingrata a esse moço?...<br />

— Mas não deves contar mais com ele, e muito menos com o seu amor.<br />

— Por que motivo? Porventura se terá ele esquecido de mim?...<br />

— Tua humilde condição não permite que olhes com amor para tão alto<br />

personagem; um abismo te separa dele. O amor que lhe inspiraste, não passou de<br />

um capricho de momento, de uma fantasia de fidalgo. Bem me pesa dizer-te isto,<br />

Isaura; mas é a pura verdade.<br />

— Ah! Meu pai! Que está dizendo!... se soubesse que mal me fazem essas<br />

terríveis palavras!... deixe-me ao menos a consolação de acreditar que ele me<br />

amava, que me ama ainda. Que interesse tinha ele em iludir uma pobre escrava?...<br />

— Eu bem quisera poupar-te ainda este desgosto; mas é preciso que saibas<br />

tudo. Esse moço... ah! Minha filha, prepara teu coração para mais um golpe bem<br />

cruel.<br />

— Que tem esse moço?... perguntou Isaura trêmula e agitada. Fale, meu<br />

pai; acaso morreu?...<br />

— Não, minha filha, mas... está casado.<br />

— Casado!... Álvaro casado!... oh! não; não é possível!... quem lhe disse,<br />

meu pai?...<br />

— Ele mesmo, Isaura; lê esta carta.<br />

Isaura tomou a carta com mão trêmula e convulsa, e a percorreu com olhos<br />

desvairados. Lida a carta, não articulou uma queixa, não soltou um soluço, não<br />

derramou uma lágrima, e ela, pálida como um cadáver, os olhos estatelados, a boca<br />

entreaberta, muda, imóvel, hirta, ali ficou por largo tempo na mesma posição; dir-seia<br />

que fora petrificada como a mulher de Ló, ao encarar as chamas em que ardia a<br />

cidade maldita.<br />

Enfim por um movimento rápido e convulso atirou-se ao seio de seu pai, e<br />

inundou-o de uma torrente de lágrimas.<br />

Este pranto copioso aliviou-a; ergueu a cabeça, enxugou as lágrimas, e<br />

pareceu ter recobrado a tranqüilidade, mas uma tranqüilidade gélida, sinistra,<br />

sepulcral. Parecia que sua alma se tinha aniquilado sob a violência daquele golpe<br />

esmagador, e que de Isaura só restava o fantasma.<br />

— Estou morta, meu pai!... não sou mais que um cadáver... façam de mim o<br />

que quiserem...<br />

90

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!