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Agora o desconhecerás; já não tem aquele exterior tão grosseiro e<br />
desagradável, e tem tomado outras maneiras menos toscas. Toma ânimo, minha<br />
filha; quando saíres deste triste calabouço, o ar da liberdade te restituirá a alegria e<br />
a tranqüilidade, e mesmo com o marido que te dão poderás viver feliz...<br />
— Feliz! — exclamou Isaura com amargo sorriso: — não me fale em<br />
felicidade, meu pai. Se ao menos eu tivesse o coração livre como outrora... se não<br />
amasse a ninguém. Oh!... não era preciso que ele me amasse, não; bastava que me<br />
quisesse para escrava, aquele anjo de bondade, que em vão empregou seus<br />
generosos esforços para arrancar-me deste abismo. Quanto eu seria mais feliz do<br />
que sendo mulher desse pobre homem, com quem me querem casar! Mas ai de<br />
mim! devo eu pensar mais nele? pode ele, nobre e rico cavalheiro, lembrar-se ainda<br />
da pobre e infeliz cativa!...<br />
— Sim, minha filha, não penses mais nesse homem; varre da tua idéia esse<br />
amor tresloucado; sou eu quem te peço e te aconselho.<br />
— Por que, meu pai?... como poderei ser ingrata a esse moço?...<br />
— Mas não deves contar mais com ele, e muito menos com o seu amor.<br />
— Por que motivo? Porventura se terá ele esquecido de mim?...<br />
— Tua humilde condição não permite que olhes com amor para tão alto<br />
personagem; um abismo te separa dele. O amor que lhe inspiraste, não passou de<br />
um capricho de momento, de uma fantasia de fidalgo. Bem me pesa dizer-te isto,<br />
Isaura; mas é a pura verdade.<br />
— Ah! Meu pai! Que está dizendo!... se soubesse que mal me fazem essas<br />
terríveis palavras!... deixe-me ao menos a consolação de acreditar que ele me<br />
amava, que me ama ainda. Que interesse tinha ele em iludir uma pobre escrava?...<br />
— Eu bem quisera poupar-te ainda este desgosto; mas é preciso que saibas<br />
tudo. Esse moço... ah! Minha filha, prepara teu coração para mais um golpe bem<br />
cruel.<br />
— Que tem esse moço?... perguntou Isaura trêmula e agitada. Fale, meu<br />
pai; acaso morreu?...<br />
— Não, minha filha, mas... está casado.<br />
— Casado!... Álvaro casado!... oh! não; não é possível!... quem lhe disse,<br />
meu pai?...<br />
— Ele mesmo, Isaura; lê esta carta.<br />
Isaura tomou a carta com mão trêmula e convulsa, e a percorreu com olhos<br />
desvairados. Lida a carta, não articulou uma queixa, não soltou um soluço, não<br />
derramou uma lágrima, e ela, pálida como um cadáver, os olhos estatelados, a boca<br />
entreaberta, muda, imóvel, hirta, ali ficou por largo tempo na mesma posição; dir-seia<br />
que fora petrificada como a mulher de Ló, ao encarar as chamas em que ardia a<br />
cidade maldita.<br />
Enfim por um movimento rápido e convulso atirou-se ao seio de seu pai, e<br />
inundou-o de uma torrente de lágrimas.<br />
Este pranto copioso aliviou-a; ergueu a cabeça, enxugou as lágrimas, e<br />
pareceu ter recobrado a tranqüilidade, mas uma tranqüilidade gélida, sinistra,<br />
sepulcral. Parecia que sua alma se tinha aniquilado sob a violência daquele golpe<br />
esmagador, e que de Isaura só restava o fantasma.<br />
— Estou morta, meu pai!... não sou mais que um cadáver... façam de mim o<br />
que quiserem...<br />
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