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A ESCRAVA ISAURA - BERNARDO GUIMARAES

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www.nead.unama.br<br />

triste oscilação de cabeça. — Assim pois estamos condenados a vagar de pais em<br />

país, sequestrados da sociedade, vivendo no mistério, e estremecendo a todo<br />

instante, como se o céu nos tivesse marcado com um ferrete de maldição!... ah! esta<br />

partida há de me doer bem no coração!... não sei que encanto me prende a este<br />

lugar. Entretanto, terei de dizer adeus eterno a... esta terra, onde gozei alguns dias<br />

de prazer e tranqüilidade! Ah! meu Deus!... quem sabe se não teria sido melhor<br />

morrer entre os tormentos da escravidão!...<br />

Neste momento entrava Álvaro na ante-sala percorrendo-a com os olhos,<br />

como quem procurava alguém.<br />

— Onde se sumiriam? — vinha ele murmurando; — teriam tido a triste<br />

lembrança de se irem embora?... oh! Não; felizmente ei-los ali! — exclamou<br />

alegremente, dando com os olhos nos dois personagens que acabamos de ouvir<br />

conversar. — D. Elvira, V. Ex.ª. é modesta demais; vem esconder-se neste recanto,<br />

quando devia estar brilhando no salão, onde todos suspiram pela sua presença.<br />

Deixe isso para as tímidas e fanadas violetas; à rosa compete alardear em plena luz<br />

todos os seus encantos.<br />

— Desculpe-me, — murmurou Isaura — uma pobre moça criada como eu<br />

na solidão da roça, e que não está acostumada a tão esplêndidas reuniões, sente-se<br />

abafada e constrangida...<br />

— Oh! Não... há de acostumar-se, eu espero. As luzes, o esplendor, as<br />

harmonias, os perfumes, constituem a atmosfera em que deve brilhar a beleza, que<br />

Deus criou para ser vista e admirada. Vim buscá-la a pedido de alguns cavalheiros,<br />

que já são admiradores de V. Exa. Para interromper a monotonia das valsas e<br />

quadrilhas, costumam aqui as senhoras encantar-nos os ouvidos com alguma<br />

canção, ária, modinha, ou seja o que for. Algumas pessoas a quem eu disse, —<br />

perdoe-me a indiscrição, filha do entusiasmo — que V. Exa. possui a mais linda voz,<br />

e canta com maestria, mostram o mais vivo desejo de ouvi-la.<br />

— Eu, senhor Álvaro!... eu cantar diante de uma tão luzida reunião!... por<br />

favor, queira dispensar-me dessa nova prova. É em seu próprio interesse que lhe<br />

digo; canto mal, sou muito acanhada, e estou certa que irei solenemente desmentilo.<br />

Poupe-nos a nós ambos essa vergonha.<br />

— São desculpas, que não posso aceitar, porque já a ouvi cantar, e creiame,<br />

D. Elvira, se eu não tivesse a certeza de que a senhora canta admiravelmente,<br />

não seria capaz de expô-la a um fiasco. Quem canta como V. Exa. não deve<br />

acanhar-se, e eu por minha parte peço-lhe encarecidamente que não cante outra<br />

coisa, senão aquela maviosa canção da escrava, que outro dia a surpreendi<br />

cantando, e afianço a V. Exa. que arrebatará os ouvintes.<br />

— Por que razão não pode ser outra? Essa desperta-me recordações tão<br />

tristes...<br />

— E é talvez por isso mesmo, que é tão linda nos lábios de V. Exa.<br />

— Ai! Triste de mim! - suspirou dentro da alma D. Elvira: — aqueles<br />

mesmos que mais me amam, tomam-se, sem o saber, os meus algozes!...<br />

Elvira bem quisera escusar-se a todo transe; cantar naquela ocasião era<br />

para ela o mais penoso dos sacrifícios. Mas não lhe era mais possível relutar, e<br />

lembrando-se do judicioso conselho de seu pai, não quis mais ver-se rogada, e<br />

aceitando o braço que Álvaro lhe oferecia, foi por ele conduzida ao piano, onde<br />

sentou-se com a graça e elegância de quem se acha completamente familiarizada<br />

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