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A ESCRAVA ISAURA - BERNARDO GUIMARAES

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interessante, foi bruscamente interrompida pela presença de Martinho, que se lhes<br />

atravessou pela frente, fazendo uma profunda reverência. Álvaro indignado carregou<br />

o sobrolho, e esteve a ponto de enxotar o importuno, como quem enxota um cão.<br />

Elvira estacou como que petrificada de pavor.<br />

— Senhor Álvaro, disse-lhe respeitosamente o Martinho, — com a<br />

permissão de V. Sª. preciso dizer duas palavras a esta senhora, a quem V. S.a dá o<br />

braço.<br />

— A esta senhora! — exclamou maravilhado o cavalheiro. — Que tem o<br />

senhor que ver com esta senhora?<br />

— Negócio de suma importância; ela bem o sabe, melhor do que eu e o<br />

senhor.<br />

Álvaro, que bem conhecia o Martinho, e sabia quanto era abjeto e<br />

desprezível, julgando ser aquilo manobra de algum rival invejoso, e covarde, que se<br />

servia daquele miserável para ultrajá-lo ou expô-lo ao ridículo, teve um assomo de<br />

indignação, mas contendo-se por um momento:<br />

— Tem a senhora algum negócio com este homem? – perguntou a Elvira.<br />

— Eu?!... nenhum, por certo; nem mesmo o conheço, — balbuciou a moça,<br />

pálida e a tremer.<br />

— Mas, meu Deus! D. Elvira, por que treme assim? Como está pálida!...<br />

maldito importuno, que assim a faz sofrer!... oh! Pelo céu, D. Elvira, não se assuste<br />

assim. Aqui estou eu a seu lado, e ai daquele que ousar ultrajar-nos!<br />

— Ninguém quer ultrajá-los, senhor Álvaro — replicou o Martinho; mas o<br />

negócio é mais sério do que o senhor pensa.<br />

— Enfim, senhor Martinho, deixe-se de rodeios e diga-nos aqui mesmo o<br />

que quer com esta senhora.<br />

— Posso dizê-lo; mas seria melhor que V. Sª. o ignorasse.<br />

— Oh! Temos mistério!... pois nesse caso declaro-lhe que não abandonarei<br />

esta senhora um só instante, e se o senhor não quer dizer ao que veio, pode retirarse.<br />

— Nessa não caio eu, que não hei de perder o meu tempo, e o meu<br />

trabalho, e nem os meus cinco contos. — Estas últimas palavras resmungou-as ele<br />

entre os dentes.<br />

— Senhor Martinho, por favor queira não abusar mais da minha paciência.<br />

Se não quer dizer ao que veio, ponha-se já longe da minha presença...<br />

— Oh! Senhor! Retorquiu Martinho, sem se perturbar; — já que a isso me<br />

força, pouco me custa fazer-lhe a vontade, e com bastante pesar tenho de declararlhe,<br />

que essa senhora a quem dá o braço, é uma escrava fugida!...<br />

Álvaro, se bem que conhecesse a vilania e impudência do caráter de<br />

Martinho, no primeiro momento ficou pasmo ao ouvir aquela súbita e imprevista<br />

delação. Não podia dar-lhe crédito, e refletindo um instante confirmou-se mais na<br />

idéia de que tudo aquilo não passava de uma farsa posta em jogo por algum indigno<br />

rival, com o fim de desgostá-lo ou insultá-lo. A pessoa do Martinho, que não poucas<br />

vezes, na qualidade de truão ou palhaço, servia de instrumento às vinganças e<br />

paixões mesquinhas de entes tão ignóbeis como ele, servia para justificar a<br />

desconfiança de Álvaro, que acabou por não sentir senão asco e indignação por tão<br />

infame procedimento.<br />

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