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www.nead.unama.br<br />
preconceitos sociais, arrisca-se a cair no descrédito ou no ridículo.<br />
— A escravidão em si mesma já é uma indignidade, uma úlcera hedionda<br />
na face da nação, que a tolera e protege. Por minha parte, nenhum motivo enxergo<br />
para levar a esse ponto o respeito por um preconceito absurdo, resultante de um<br />
abuso que nos desonra aos olhos do mundo civilizado. Seja eu embora o primeiro a<br />
dar esse nobre exemplo, que talvez será imitado. Sirva ele ao menos de um protesto<br />
enérgico e solene contra uma bárbara e vergonhosa instituição.<br />
— És rico, Álvaro, e a riqueza te dá bastante independência para poderes<br />
satisfazer os teus sonhos filantrópicos e os caprichos de tua imaginação romanesca.<br />
Mas tua riqueza, por maior que seja, nunca poderia reformar os prejuízos do mundo,<br />
nem fazer com que essa escrava, a quem segundo todas as aparências querias ligar<br />
o teu destino, fosse considerada, e nem mesmo admitida nos círculos da alta<br />
sociedade...<br />
— E que me importam os círculos da alta sociedade, uma vez que sejamos<br />
bem acolhidos no meio das pessoas de bom senso, e coração bem formado?<br />
Demais, enganas-te completamente, meu Geraldo. O mundo corteja sempre o<br />
dinheiro, onde quer que ele se ache. O ouro tem um brilho que deslumbra, e apaga<br />
completamente essas pretendidas nódoas de nascimento. Não nos faltarão, nunca,<br />
eu te afianço, o respeito, nem a consideração social, enquanto nos não faltar o<br />
dinheiro.<br />
— Mas, Álvaro, esqueces-te de uma coisa muito essencial; e se te não for<br />
possível obter a liberdade de tua protegida?...<br />
A esta pergunta Álvaro empalideceu, e oprimido pela idéia de tão cruel<br />
como possível alternativa, sem responder — palavra olhava tristemente para o<br />
horizonte, quando o boleeiro de Álvaro, que se achava postado com sua caleça junto<br />
à porta do jardim, veio anunciar-lhe que algumas pessoas o procuravam e<br />
desejavam falar-lhe, ou ao dono da casa.<br />
— A mim! — resmungou Álvaro; porventura estou eu em minha casa?...<br />
mas como também procuram o dono desta... faça-os entrar.<br />
— Álvaro, disse Geraldo espreitando por uma janela, — se me não engano,<br />
é gente da polícia; parece-me que lá vejo um oficial de justiça.<br />
— Teremos outra cena igual à do baile?...<br />
— Impossível!... com que direito virão tocar-me no depósito sagrado, que a<br />
mesma polícia me confiou!...<br />
— Não te fies nisso. A justiça é uma deusa muito volúvel e fértil em<br />
patranhas. Hoje desmanchará o que fez ontem.<br />
CAPÍTULO XVII<br />
O primeiro cuidado de Martinho logo ao sair do baile, em que viu malograda<br />
a sua tentativa de apreender Isaura, foi escrever ao senhor dela uma longa e<br />
minuciosa carta, comunicando-lhe que tinha tido a fortuna de descobrir a escrava<br />
que tanto procurava.<br />
Contava por miúdo as diligências que fizera para esse fim, até descobri-la<br />
em um baile público e encarecia o seu próprio mérito e perspicácia para esbirro,<br />
dizendo que a não ser ele, ninguém seria capaz de farejar uma escrava na pessoa<br />
de uma moça tão bonita e tão prendada.<br />
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