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A ESCRAVA ISAURA - BERNARDO GUIMARAES

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www.nead.unama.br<br />

preconceitos sociais, arrisca-se a cair no descrédito ou no ridículo.<br />

— A escravidão em si mesma já é uma indignidade, uma úlcera hedionda<br />

na face da nação, que a tolera e protege. Por minha parte, nenhum motivo enxergo<br />

para levar a esse ponto o respeito por um preconceito absurdo, resultante de um<br />

abuso que nos desonra aos olhos do mundo civilizado. Seja eu embora o primeiro a<br />

dar esse nobre exemplo, que talvez será imitado. Sirva ele ao menos de um protesto<br />

enérgico e solene contra uma bárbara e vergonhosa instituição.<br />

— És rico, Álvaro, e a riqueza te dá bastante independência para poderes<br />

satisfazer os teus sonhos filantrópicos e os caprichos de tua imaginação romanesca.<br />

Mas tua riqueza, por maior que seja, nunca poderia reformar os prejuízos do mundo,<br />

nem fazer com que essa escrava, a quem segundo todas as aparências querias ligar<br />

o teu destino, fosse considerada, e nem mesmo admitida nos círculos da alta<br />

sociedade...<br />

— E que me importam os círculos da alta sociedade, uma vez que sejamos<br />

bem acolhidos no meio das pessoas de bom senso, e coração bem formado?<br />

Demais, enganas-te completamente, meu Geraldo. O mundo corteja sempre o<br />

dinheiro, onde quer que ele se ache. O ouro tem um brilho que deslumbra, e apaga<br />

completamente essas pretendidas nódoas de nascimento. Não nos faltarão, nunca,<br />

eu te afianço, o respeito, nem a consideração social, enquanto nos não faltar o<br />

dinheiro.<br />

— Mas, Álvaro, esqueces-te de uma coisa muito essencial; e se te não for<br />

possível obter a liberdade de tua protegida?...<br />

A esta pergunta Álvaro empalideceu, e oprimido pela idéia de tão cruel<br />

como possível alternativa, sem responder — palavra olhava tristemente para o<br />

horizonte, quando o boleeiro de Álvaro, que se achava postado com sua caleça junto<br />

à porta do jardim, veio anunciar-lhe que algumas pessoas o procuravam e<br />

desejavam falar-lhe, ou ao dono da casa.<br />

— A mim! — resmungou Álvaro; porventura estou eu em minha casa?...<br />

mas como também procuram o dono desta... faça-os entrar.<br />

— Álvaro, disse Geraldo espreitando por uma janela, — se me não engano,<br />

é gente da polícia; parece-me que lá vejo um oficial de justiça.<br />

— Teremos outra cena igual à do baile?...<br />

— Impossível!... com que direito virão tocar-me no depósito sagrado, que a<br />

mesma polícia me confiou!...<br />

— Não te fies nisso. A justiça é uma deusa muito volúvel e fértil em<br />

patranhas. Hoje desmanchará o que fez ontem.<br />

CAPÍTULO XVII<br />

O primeiro cuidado de Martinho logo ao sair do baile, em que viu malograda<br />

a sua tentativa de apreender Isaura, foi escrever ao senhor dela uma longa e<br />

minuciosa carta, comunicando-lhe que tinha tido a fortuna de descobrir a escrava<br />

que tanto procurava.<br />

Contava por miúdo as diligências que fizera para esse fim, até descobri-la<br />

em um baile público e encarecia o seu próprio mérito e perspicácia para esbirro,<br />

dizendo que a não ser ele, ninguém seria capaz de farejar uma escrava na pessoa<br />

de uma moça tão bonita e tão prendada.<br />

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