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A ESCRAVA ISAURA - BERNARDO GUIMARAES

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por conselho de seu protetor, esperando o resultado dos passos que este se<br />

comprometera a dar em favor deles, porém sempre na mais angustiosa inquietação,<br />

como Dâmocles tendo sobre a cabeça aguda espada suspensa por um fio.<br />

Álvaro vai quase todos os dias à casa dos dois foragidos, e ali passa longas<br />

horas entretendo-os sobre os meios de conseguir a liberdade de sua protegida, e<br />

procurando confortá-los na esperança de melhor destino.<br />

Para nos inteirarmos do que tem ocorrido desde a fatal noite do baile,<br />

ouçamos a conversação que teve lugar em casa de Isaura, entre Álvaro e o seu<br />

amigo Dr. Geraldo.<br />

Este, na mesma manhã que seguiu-se á noite do baile, deixara o Recife e<br />

partira para uma vila do interior, onde tinha sido chamado a fim de encarregar-se de<br />

uma causa importante. De volta à capital no fim de um mês, um de seus primeiros<br />

cuidados foi procurar Álvaro, não só pelo impulso da amizade, como também<br />

estimulado pela curiosidade de saber do desenlace que tivera a singular aventura do<br />

baile. Não o tendo achado em casa por duas ou três vezes que aí o procurou,<br />

presumiu que o meio mais provável de encontrá-lo seria procurá-lo em casa de<br />

Isaura, caso ela ainda se achasse no Recife residindo na mesma chácara; não se<br />

iludiu.<br />

Álvaro, tendo reconhecido a voz de seu amigo, que da porta do jardim<br />

perguntava por ele, saiu ao seu encontro; mas antes disso, tendo assegurado aos<br />

donos da casa que a pessoa que o procurava era um amigo íntimo, em quem<br />

depositava toda confiança, pediu-lhes licença para o fazer entrar.<br />

Geraldo foi introduzido em uma pequena sala da frente. Posto que pouco<br />

espaçosa e mobiliada com a maior simplicidade, era esta salinha tão fresca, sombria<br />

e perfumada, tão cheia de flores desde a porta da entrada, a qual bem como as<br />

janelas estava toda entrelaçada de ramos e festões de flores, que mais parecia um<br />

caramanchão ou gruta de verdura, do que mesmo uma sala. Quase toda a luz lhe<br />

vinha pelos fundos através de uma larga porta dando para uma varanda aberta, que<br />

olhava para o mar. Dali a vista, enfiando-se por entre troncos de coqueiros, que<br />

derramavam sombra e fresquidão em tomo da casa, deslizava pela superfície do<br />

oceano, e ia embeber-se na profundidade de um céu límpido e cheio de fulgores.<br />

Miguel e Isaura depois de terem cumprimentado o visitante e trocado com<br />

ele algumas palavras de mera civilidade, presumindo que queriam estar sós,<br />

retiraram-se discretamente para o interior da casa.<br />

— Na verdade, Álvaro, — disse o doutor sorrindo-se, — é uma deliciosa<br />

morada esta, e não admira que gostes de passar aqui grande parte do teu tempo.<br />

Parece mesmo a gruta misteriosa de uma fada. É pena que um maldito nigromante<br />

quebrasse de repente o encanto de tua fada, transformando-a em uma simples<br />

escrava!<br />

— Ah! Não gracejes, meu doutor; aquela cena extraordinária produziu em<br />

meu espírito a mais estranha e dolorosa impressão: porém, francamente te<br />

confesso, não mudou senão por instantes a natureza de meus sentimentos para<br />

com essa mulher.<br />

— Que me dizes?... a tal ponto chegará a tua excentricidade?!..<br />

— Que queres? A natureza assim me fez. Nos primeiros momentos a<br />

vergonha e mesmo uma espécie de raiva me cegaram; vi quase com prazer o transe<br />

cruel por que ela passou. Que triste e pungente decepção!<br />

—Vi em um momento desmoronar-se e desfazer-se em lama o brilhante<br />

castelo que minha imaginação com tanto amor tinha erigido!... uma escrava iludir-me<br />

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