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A ESCRAVA ISAURA - BERNARDO GUIMARAES

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www.nead.unama.br<br />

concede; não somos obrigados a mais, e agora estamos resolvidos a cair-lhe em<br />

cima com a execução.<br />

— E quais são os outros credores? V. S.ª quererá indicar-mos?<br />

— E por que não? — respondeu o negociante, e passou a indicar a Álvaro<br />

os nomes e moradas dos demais credores.<br />

De feito, a casa de Leôncio, já desde os últimos anos da vida de seu pai, ia<br />

em contínuo regresso e desmantelamento. O velho comendador, entregando-se no<br />

último quartel da vida a excessos e devassidões, que nem na mocidade são<br />

desculpáveis, vivendo quase sempre na corte, e deixando quase em completo<br />

abandono a administração da fazenda, havia já esbanjado não pequena porção de<br />

sua fortuna.<br />

Por efeito da má administração, não só as safras começaram a escassear<br />

consideravelmente, como também o número de escravos foi-se reduzindo pela<br />

morte e pelas freqüentes fugas, sem que tanto o comendador como seu filho<br />

deixassem de substituí-los por outros novos, que iam comprando a prazo, tornando<br />

cada vez mais pesado o ônus das dívidas.<br />

Depois da morte do comendador, as coisas foram de mal a pior. Leôncio,<br />

com a educação e a índole que lhe conhecemos, era o homem menos próprio<br />

possível para dirigir e explorar um grande estabelecimento agrícola.<br />

Seus desvarios e extravagâncias, e por último sua nefasta e insensata<br />

paixão por Isaura, fizeram-no perder de todo a cabeça, arrojando-se em um plano<br />

inclinado de despesas ruinosas, sem cálculo nem previsão alguma. Com os enormes<br />

dispêndios que teve de fazer em conseqüência da fuga de Isaura, mandando<br />

procurá-la por todos os cantos do império, acabou de cavar o abismo de sua ruína.<br />

Em pouco tempo o jovem fazendeiro estava de todo insolvável, sem um real em<br />

caixa, e com uma multidão de letras protestadas na carteira de seus credores.<br />

Quando estes acordaram e se lembraram de lhe abrir a falência e executar os seus<br />

bens, compreenderam que mal poderiam embolsar-se da metade do que lhes era<br />

devido, e, portanto, trataram com sofreguidão de promover os meios executivos,<br />

antes que o mal fosse a mais.<br />

Depois de conferenciar com os credores de Leôncio, propôs-lhes a compra<br />

de todos os seus créditos pela metade do seu valor. Para evitar qualquer<br />

odiosidade, que semelhante procedimento pudesse acarretar sobre sua pessoa,<br />

declarou-lhes que nenhuma intenção tinha de vexar nem oprimir o infeliz fazendeiro,<br />

que pelo contrário era seu intuito protegê-lo e livrá-lo do vexame de uma rigorosa<br />

execução judicial, e deixá-lo ao abrigo da miséria. E realmente, a despeito da<br />

aversão e desprezo que Leôncio lhe merecia, Álvaro não pretendia levar ao último<br />

extremo os meios de vingança, que por um acaso as circunstâncias tinham posto em<br />

suas mãos. Era ele dez vezes mais rico do que o seu adversário, e de muito bom<br />

grado, se não houvesse outro recurso, por um contrato amigável daria uma soma<br />

igual a toda a fortuna deste, pela liberdade de Isaura.<br />

Agora, que o destino vinha pôr em suas mãos toda a fortuna desse<br />

adversário caprichoso, arrogante e desalmado, Álvaro, sempre generoso, nem por<br />

isso desejava vê-lo reduzido à miséria.<br />

Os credores não hesitaram um momento em aceitar a proposta.<br />

Com razão preferiram saldar suas contas por um modo fácil e expedito, em<br />

dinheiro contado, recebendo a metade, do que sujeitando-se às despesas, delongas<br />

e dificuldades de uma execução em escravos e bens de raiz, quando nenhuma<br />

probabilidade havia de que no rateio pudessem obter mais de metade.<br />

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