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A ESCRAVA ISAURA - BERNARDO GUIMARAES

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www.nead.unama.br<br />

— Senhor Martinho, — disse-lhe ele, — desejo dizer-lhe duas palavras em<br />

particular, com permissão aqui do doutor.<br />

— Estou às suas ordens, — replicou Martinho.<br />

— Estou persuadido, senhor Martinho, — disse-lhe Álvaro em voz baixa,<br />

tomando-o de parte, — que a gratificação de cinco contos é o motivo principal que o<br />

leva a proceder desta maneira contra uma infeliz mulher, que nunca o ofendeu. Está<br />

em seu direito, eu reconheço, e a soma não é para desprezar. Mas se quiser desistir<br />

completamente desse negócio, e deixar em paz essa escrava, dou-lhe o dobro<br />

dessa quantia.<br />

— O dobro!... dez contos de réis! Exclamou Martinho arregalando os olhos.<br />

— Justamente; dez contos de réis de hoje mesmo.<br />

— Mas, senhor Álvaro, já empenhei minha palavra para com o senhor da<br />

escrava, dei passos para esse fim, e...<br />

— Que importa!... diga que ela evadiu-se de novo, ou dê outra qualquer<br />

desculpa...<br />

— Como, se é tão público que ela se acha em poder de V. S.ª ?...<br />

— Ora!... isso é sua vontade, senhor Martinho; pois um homem vivo e<br />

atilado como o senhor embaraça-se com tão pouca coisa!...<br />

— Vá, feito — disse Martinho depois de refletir um instante. – Já que V.Sª.<br />

tanto se interessa por essa escrava, não quero mais afligi-lo com semelhante<br />

negócio, que a dizer-lhe a verdade bem me repugna. Aceito a proposta.<br />

— Obrigado; é um importante serviço que vai me prestar.<br />

— Mas que volta darei eu ao negócio para sair-me bem dele?<br />

— Veja lá; sua imaginação é fácil em recursos, e há de inspirar-lhe algum<br />

meio de safar-se de dificuldades com a maior limpeza.<br />

Martinho ficou por alguns momentos a roer as unhas, pensativo e com os<br />

olhos pregados no chão. Por fim levantando a cabeça e levando à testa o dedo<br />

índice:<br />

— Atinei! Exclamou. — Dizer que a escrava desapareceu de novo, não é<br />

conveniente, e iria comprometer a V. Sa. que se responsabilizou por ela. Direi<br />

somente que, bem averiguado o caso, reconheci que a moça, que V.Sa. tem em seu<br />

poder, não é a escrava em questão, e está tudo acabado.<br />

— Essa não é mal achada... mas foi um negócio tão público...<br />

— Que importa!... não se lembra V.Sa. de um sinal em forma de<br />

queimadura em cima do seio esquerdo, que vem consignado no anúncio? Direi, que<br />

não se achou semelhante sinal, que é muito característico, e está destruída a<br />

identidade de pessoa. Acrescentarei mais que a moça, por quem V. Sa. se interessa,<br />

vista de noite é uma coisa, e de dia é outra; que em nada se parece com a linda<br />

escrava que se acha descrita no anúncio, e que em vez de ter vinte anos mostra ter<br />

seus trinta e muitos para quarenta, e que toda aquela mocidade e formosura era<br />

efeito dos arrebiques, e da luz vacilante dos lustres e candelabros.<br />

— O senhor é bem engenhoso. — observou Álvaro sorrindo-se; — mas os<br />

que a viram nenhum crédito darão a tudo isso. Resta, porém, ainda uma dificuldade,<br />

senhor Martinho; é a confissão que ela fez em público!... isto há de ser custoso de<br />

embaraçar-se.<br />

— Qual custoso!... alega-se que ela é sujeita a acessos de histerismo, e é<br />

sujeita a alucinações.<br />

— Bravo, senhor Martinho; confio absolutamente em sua perícia e<br />

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