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A ESCRAVA ISAURA - BERNARDO GUIMARAES

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www.nead.unama.br<br />

— Mas há de acostumar-se em pouco tempo — replicou-lhe Álvaro,<br />

segurando-lhe uma das mãos e sustendo-a com um braço pela cintura. — A senhora<br />

nasceu para brilhar nos salões... mas, se quer retirar-se...<br />

— Não, senhor; continuemos; já agora estamos na final...<br />

Com estas respostas evasivas Álvaro tranqüilizou-se, e em razão dos<br />

movimentos rápidos da quadrilha na marca final, que imediatamente seguiu-se, não<br />

pôde notar a extrema palidez e profundo transtorno das feições de Elvira. A infeliz já<br />

não dançava, arrastava-se automaticamente pela sala; seu espírito não estava ali,<br />

não ouvia nem via outra coisa senão a figura repugnante do Martinho, postada como<br />

esfinge ameaçadora junto à porta da saleta, para a qual ela volvia de quando em<br />

quando olhos cheios de ansiedade e pavor.<br />

E o sangue todo lhe refluía ao coração, que lhe tremia como o da pomba<br />

que sente estendida sobre o colo a garra desapiedada do gavião.<br />

Em tal estado de susto e perturbação, Isaura não atinava com o que devia<br />

responder àquela tão sincera e apaixonada declaração do mancebo. Guardou<br />

silêncio por alguns instantes, o que Álvaro interpretou por timidez ou emoção.<br />

— Não me quer responder? — continuou com voz meiga, — uma só palavra<br />

é bastante...<br />

— Ah! Senhor, — murmurou ela suspirando, o que posso eu responder às<br />

doces palavras que acabo de ouvir de sua boca? Elas me encantam, mas...<br />

Elvira interrompeu-se bruscamente; um súbito estremecimento agitando o<br />

braço de Álvaro o fez olhar para ela com sobressalto e inquietação.<br />

— É ele!... — este som sussurrou-lhe pelos lábios como um gemido rouco e<br />

convulsivo; acabava de avistar Martinho, entrando na sala em que se achavam, e<br />

sentiu mortal calafrio percorrer-lhe todo o como.<br />

— Desculpe-me, senhor — continuou ela — não é possível por hoje ouvir<br />

suas doces palavras; sinto-me mal; preciso retirar-me. Se o senhor tivesse a<br />

bondade de levar-me onde está meu pai...<br />

— Por que não, D. Elvira?... mas oh!... como está pálida!... está sofrendo<br />

muito, não é assim?... quer que eu a acompanhe?... que lhe chame um médico?...<br />

aqui mesmo os há...<br />

— Obrigada, senhor Álvaro; não se inquiete; isto é um mal passageiro,<br />

cansaço talvez; em chegando a casa ficarei boa.<br />

— E quer então retirar-se sem me deixar uma só palavra de consolação e<br />

de esperança?...<br />

— De consolação talvez, mas de esperança...<br />

— Por que não?<br />

— Se nem eu mesma posso tê-la...<br />

— Então não me ama...<br />

— Amo-o muito.<br />

— Então será minha...<br />

— Isso é impossível...<br />

— Impossível!... que obstáculo pode haver?...<br />

— Não sei dizer-lhe, senhor; minha desgraça.<br />

Esta amorosa confidência no momento em que se achava no ponto mais<br />

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