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A ESCRAVA ISAURA - BERNARDO GUIMARAES

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que tal lhe parece esta?... que tenho eu com seu casamento!... Mas isto ainda não é<br />

tudo; aproveitando a ocasião, pede-me com todo o desfaçamento que em todo e<br />

qualquer tempo, que eu me resolva a dispor de Isaura, nunca o faça sem participarlhe,<br />

porque muito deseja tê-la para mucama de sua senhora! Até onde pode chegar<br />

o cinismo e a impudência!...<br />

— Com efeito, senhor!... isto da parte do senhor Álvaro é custoso de<br />

acreditar!<br />

— Pois capacite-se com seus próprios olhos; leia; não conhece esta letra?...<br />

E dizendo isto Leôncio apresentou a Miguel uma carta, cuja letra imitava<br />

perfeitamente a de Álvaro.<br />

— A letra é dele; não resta dúvida, — disse Miguel pasmado do que<br />

acabava de ler. —Há neste mundo infâmias que custa-se a compreender.<br />

— E também lições cruéis, que é preciso não desprezar, não é assim,<br />

senhor Miguel?... Pois bem; guarde essa carta para mostrar à sua filha; é bom que<br />

ela saiba de tudo para não contar mais com esse homem, e varrer do espírito as<br />

fumaças que porventura ainda lhe toldam o juízo. Faça também vossemecê o que<br />

estiver em seu possível afim de predispor sua filha para esse casamento, que é de<br />

muita vantagem, e eu não só lhe perdoarei tudo quanto me fica devendo, como lhe<br />

restituo o que já me deu, para vossemecê abrir um negócio aqui em Campos e viver<br />

tranqüilamente o resto de seus dias, em companhia de sua filha e de seu genro.<br />

— Mas quem é esse genro? V. S.ª me não disse ainda.<br />

— É verdade... esquecia-me. É o Belchior, o meu jardineiro; não conhece?...<br />

— Muito!... oh! Senhor!... com que miserável figura quer casar minha filha!...<br />

pobre Isaura!... duvido muito que ela queira.<br />

— Que importa a figura, se tem uma boa alma, e é honesto e trabalhador?...<br />

Lá isso é verdade; o ponto é ela querer.<br />

— Estou certo que aconselhada e bem catequizada por vossemece há de<br />

se resolver.<br />

— Farei o que puder; mas tenho poucas esperanças.<br />

— E se não quiser, pior para ela e para vossemecê: o dito por não dito; fica<br />

tudo como estava, — disse terminantemente Leôncio.<br />

Miguel não era homem de têmpera a lutar contra a adversidade. O cativeiro<br />

e reclusão perene de sua filha, a miséria que se lhe antolhava acompanhada de mil<br />

angústias, eram para ele fantasmas hediondos, cujo aspecto não podia encarar sem<br />

sentir mortal pavor e abatimento.<br />

Não achou muito oneroso o preço pelo qual o desumano senhor, livrando-o<br />

da miséria, concedia liberdade à sua filha, e aceitou o convênio.<br />

CAPÍTULO XX<br />

Enquanto Rosa e André espanejavam os móveis do salão, tagarelando<br />

alegremente, uma cena bem triste e compungente se passava em um escuro<br />

aposento atinente às senzalas, onde Isaura sentada sobre um cepo, com um dos<br />

alvos e mimosos artelhos preso por uma corrente cravada à parede, há dois meses<br />

se achava encarcerada.<br />

Miguel ai tinha sido introduzido por ordem de Leôncio, para dar parte à filha<br />

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