09.04.2017 Views

A ESCRAVA ISAURA - BERNARDO GUIMARAES

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

www.nead.unama.br<br />

ficaria o pobre homem!...<br />

— Com a mesma. Decerto vai forrá-la e casar-se com ela. Aquilo é um<br />

maluco capaz de todas as asneiras.<br />

— E que mau! Terá ao mesmo tempo mulher e talvez uma boa cozinheira.<br />

Triste consolação! o estigma do cativeiro não podia apagar da bela fronte de<br />

Isaura, antes mais realçava o cunho de superioridade que o sopro divino nela havia<br />

gravado em caracteres indeléveis.<br />

Entre os mancebos a impressão era bem diferente. Poucos, bem poucos,<br />

deixavam de tomar vivo interesse e compaixão pela sorte da infeliz e formosa<br />

escrava. Por todos os cantos falava-se e discutia-se com calor a respeito do caso.<br />

Alguns, a despeito da evidência dos indícios e da confissão de Isaura, ainda<br />

duvidavam da verdade que tinham diante dos olhos.<br />

— Não; aquela mulher não pode ser uma escrava, — diziam eles, — aqui<br />

há algum mistério, que algum dia se desvendará.<br />

— Qual mistério? O caso é muito factível, e ela mesma o confessou.<br />

— Mas quem será esse bruto e desalmado fazendeiro, que conserva no<br />

cativeiro uma tão linda criatura?<br />

— Deve ser algum lorpa de alma bem estúpida e sórdida.<br />

— Se não for algum sultãozinho de bom gosto, que a quer para o seu<br />

serralho.<br />

— Seja como for, esse bruto deve ser constrangido a dar-lhe a liberdade.<br />

Na senzala uma mulher que merecia sentar-se num trono!...<br />

— Também só o infame do Martinho, com o seu satânico instinto de cobiça,<br />

poderia farejar uma escrava na pessoa daquele anjo! Que impudência! Se o visse<br />

agora aqui, era capaz de estrangulá-lo!<br />

Entretanto, Martinho, que se havia previamente munido de um mandado de<br />

apreensão, e se fazia acompanhar de um oficial de justiça, exigia terminantemente<br />

que se lhe fizesse entrega de Isaura. Álvaro, porém, interpondo o valimento e<br />

prestígio de que gozava, opôs-se decididamente a essa exigência, e tomando por<br />

testemunhas as pessoas que ali se achavam, constituiu-se fiador da escrava,<br />

comprometendo-se a entregá-la a seu senhor, ou a quem por ordem dele a<br />

reclamasse. Em vão Martinho quis insistir; uma multidão de vozes, que o apupavam<br />

e cobriam de injúrias, forçaram-no a calar-se e desistir de sua pretensão.<br />

— Ah! Malditos! Querem-me roubar! — bradava Martinho como um<br />

possesso. — Meus cinco contos! Ai! Meus cinco contos! Lá se vão pela água abaixo.<br />

E dizendo isto procurou a escada, e saltando-a aos dois e três degraus, lá<br />

se foi bramindo pela porta a fora.<br />

CAPÍTULO XVI<br />

Já é passado cerca de um mês depois dos acontecimentos que acabamos<br />

de narrar. Isaura e Miguel, graças à valiosa intervenção de Álvaro, continuam a<br />

habitar a mesma pequena chácara no bairro de Santo Antônio. Já não lhes sendo<br />

mais possível pensar em fugir para mais longe nem ocultarem-se, ali se conservam<br />

66

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!