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A ESCRAVA ISAURA - BERNARDO GUIMARAES

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mui ancho e lampeiro dar conta de sua comissão, e sôfrego por embolsar a soma<br />

convencionada.<br />

— Dez contos!... oh! — vinha ele pensando. — uma fortuna! agora sim,<br />

posso eu viver independente!... Adeus, surrados bancos de Academia!... adeus,<br />

livros sebosos, que tanto tempo andei folheando à toa!... vou atirar-vos pela janela a<br />

fora; não preciso mais de vós: meu futuro está feito. Em breve serei capitalista,<br />

banqueiro, comendador, barão, e verão para quanto presto!...<br />

E à força de multiplicar cálculos de usura e agiotagem, já Martinho havia<br />

centuplicado aquela soma em sua imaginação.<br />

— Meu caro senhor Álvaro, — veio logo dizendo sem mais preâmbulos, —<br />

está tudo arranjado à medida de nossos desejos. Pode V. Sa. viver tranqüilo em<br />

companhia da gentil fugitiva, que daqui em diante ninguém mais o importunará.<br />

— De feito o procedimento de V. S.ª nesta questão tem sido muito belo e<br />

digno de elogios; é próprio de um coração grande e generoso como o de V. Sa. Não<br />

se dá maior desaforo! no cativeiro uma menina tão mimosa e tão prendada!...<br />

— Agora aqui está a carta, que escrevo ao lorpa do sultãozinho. Prego-lhe<br />

meia dúzia de carapetões, que o hão de desorientar completamente.<br />

Assim falando, Martinho desdobrou a carta, e já começava a lê-la, quando<br />

Álvaro impacientado o interrompeu.<br />

— Basta, senhor Martinho, — disse-lhe com mau humor; — o negócio está<br />

arranjado; não preciso mais de seus serviços.<br />

— Arranjado!... como?...<br />

— A escrava está em poder de seu senhor.<br />

— De Leôncio!... impossível!<br />

— Entretanto, é a pura verdade; se quiser saber mais vá à polícia, e<br />

indague.<br />

— E os meus dez contos?...<br />

— Creio que não lhos devo mais.<br />

Martinho soltou um urro de desespero, e saiu da casa de Álvaro com tal<br />

precipitação, que parecia ir rolando pelas escadas abaixo.<br />

Descrever o mísero estado em que ficou aquela pobre alma, é empresa em<br />

que não me meto; os leitores que façam idéia.<br />

O cão faminto, iludido pela sombra, largou a carne que tinha entre os<br />

dentes, e ficou sem uma nem outra.<br />

CAPITULO XIX<br />

— Olha como arranjas isso, Rosa; esta rapariga é mesmo uma estouvada;<br />

não tem jeito para nada. Bem mostras que não nasceste para a sala; o teu lugar é<br />

na cozinha.<br />

— Ora vejam lá a figura de quem quer me dar regras!... quem te chamou<br />

aqui, intrometido? O teu lugar também não é aqui, é lá na estrebaria. Vai lá governar<br />

os teus cavalos, André, e não te intrometas no que não te importa.<br />

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