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A ESCRAVA ISAURA - BERNARDO GUIMARAES

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Álvaro pára em sua narrativa, como que embevecido em tão suaves<br />

recordações.<br />

— E ficaste nisso, Álvaro! — perguntava outro cavalheiro; — o teu romance<br />

está-nos interessando; vamos por diante, que estou aflito por ver a peripécia...<br />

— A peripécia?... oh! Essa ainda não chegou, e nem eu mesmo sei qual<br />

será. Esgotei enfim os estratagemas possíveis para ter entrada no santuário daquela<br />

deusa; mas foi tudo baldado. O acaso enfim veio em meu socorro, e serviu-me<br />

melhor do que toda a minha habilidade e diligência. Passeando eu uma tarde de<br />

carro no bairro de Santo Antônio, pelas margens do Beberibe, passeio que se<br />

tornara para mim uma devoção, avistei um homem e uma mulher navegando a todo<br />

pano em um pequeno bote.<br />

Instantes depois o bote achou-se encalhado em um banco de areia.<br />

Apeei-me imediatamente, e tomando um escaler na praia, fui em socorro<br />

dos dois navegantes que em vão forcejavam por safar a pequena embarcação. Não<br />

podem fazer idéia da deliciosa surpresa que senti, ao reconhecer nas duas pessoas<br />

do bote a minha misteriosa da chácara e seu pai...<br />

— Por essa já eu esperava; entretanto o lance não deixa de ser dramático;<br />

a história de seus amores com a tal fada misteriosa vai tomando visos de um poema<br />

fantástico.<br />

— Entretanto, é a pura realidade. Como estavam molhados e enxovalhados,<br />

convidei-os a entrarem no meu carro. Aceitaram depois de muita relutância, e<br />

dirigimo-nos para a casa deles. É escusado contarvos o resto desde então, se bem<br />

que com algum acanhamento foi-me franqueado o umbral da gruta misteriosa.<br />

— E pelo que vejo, — interrogou o doutor, — amas muito essa mulher?<br />

— Se amo! Adoro-a cada vez mais, e o que é mais, tenho razões para<br />

acreditar que ela... pelo menos não me olha com indiferença.<br />

— Deus queira que não andes embaído por alguma Circe de bordel, por<br />

alguma dessas aventureiras, de que há tantas pelo mundo, e que, sabendo que és<br />

rico, arma laços ao teu dinheiro! Esse afastamento da sociedade, esse mistério, em<br />

que procuram tão cuidadosamente envolver a sua vida, não abonam muito em favor<br />

deles.<br />

— Quem sabe se são criminosos que procuram subtrair-se às pesquisas da<br />

polícia? — observou um cavalheiro.<br />

— Talvez moedeiros falsos, — acrescentou outro.<br />

— Tenho má-fé, — continuou o doutor — todas as vezes que vejo uma<br />

mulher bonita viajando em países estranhos em companhia de um homem, que de<br />

ordinário se diz pai ou irmão dela. O pai de tua fada, Álvaro, se é que é pai, é talvez<br />

algum cigano, ou cavalheiro de indústria, que especula com a formosura de sua<br />

filha.<br />

— Santo Deus!... misericórdia! — exclamou Álvaro. — Se eu adivinhasse<br />

que veria a pessoa daquela criatura angélica apreciada com tanta atrocidade, ou<br />

antes tão impiamente profanada, quereria antes ser atacado de mudez, do que<br />

trazê-la à conversação. Creiam, que são demasiado injustos para com aquela pobre<br />

moça, meus amigos. Eu a julgaria antes uma princesa destronizada, se não<br />

soubesse que é um anjo do céu. Mas vocês em breve vão vê-la, e eu e ela<br />

estaremos vingados; pois estou certo que todos a uma voz a proclamarão uma<br />

divindade. Mas o pior é que desde já posso contar com um rival em cada um de<br />

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