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A ESCRAVA ISAURA - BERNARDO GUIMARAES

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desconfiado.<br />

— Que tenho!... — replicou Leôncio um pouco perturbado com a pergunta.<br />

— Ora que tenho!... é o mesmo que perguntar-me se tenho brio nas faces. Se<br />

soubesses como aquele papalvo provocou-me atirando-me insultos atrozes!... Como<br />

desafiou-me com mil bravatas e ameaças, protestando que havia de arrancar Isaura<br />

ao meu poder...<br />

—Se não fosse por tua causa, e também por satisfazer os votos de minha<br />

mãe, eu nunca daria a liberdade a essa escrava, embora nenhum serviço me<br />

prestasse, e tivesse de tratá-la como uma princesa, só para quebrar a proa e<br />

castigar a audácia e petulância desse impudente rufião.<br />

— Pois bem, Leôncio; mas eu entendo que Isaura mais facilmente se<br />

deixará queimar viva, do que casar-se com Belchior.<br />

— Não te dê isso cuidado, minha querida; havemos de catequizá-la<br />

convenientemente. Tenho cá forjado o meu plano, com o qual espero reduzi-la a<br />

casar-se com ele de muito boa vontade.<br />

— Se ela consentir, não tenho motivo para me opor a esse arranjo.<br />

Leôncio de feito havia habilmente preparado o seu plano atroz.<br />

Tendo trazido do Recife a Miguel debaixo de prisão, juntamente com Isaura,<br />

ao chegar em Campos fê-lo encerrar na cadeia, e condenar a pagar todas as<br />

despesas e prejuízos que tivera com a fuga de Isaura, as quais fizera orçar em uma<br />

soma exorbitante. Ficou, portanto, o pobre homem exausto dos últimos recursos que<br />

lhe restavam, e ainda por sobrecarga devendo uma soma enorme, que só longos<br />

anos de trabalho poderiam pagar. Como Leôncio era rico, amigo dos ministros e<br />

tinha grande influência no lugar, as autoridades locais prestaram-se de boa mente a<br />

todas estas perseguições.<br />

Depois que Leôncio, desanimado de poder vencer a obstinada relutância de<br />

Isaura, mudou o seu plano de vingança, foi ele em pessoa procurar a Miguel.<br />

— Senhor Miguel, — disse-lhe em tom formalizado, — tenho comiseração<br />

do senhor e de sua filha, apesar dos incômodos e prejuízos que me têm dado, e<br />

venho propor-lhe um meio de acabarmos de uma vez para sempre com as<br />

desordens, intrigas e transtornos com que sua filha tem perturbado minha casa e o<br />

sossego de minha vida.<br />

— Estou pronto para qualquer arranjo, senhor Leôncio, — respondeu<br />

respeitosamente Miguel, — uma vez que seja justo e honesto.<br />

— Nada mais honesto, nem mais justo. Quero casar sua filha com um<br />

homem de bem, e dar-lhe a liberdade; porém para esse fim preciso muito de sua<br />

coadjuvação.<br />

— Pois diga em que lhe posso servir.<br />

— Sei que Isaura há de sentir alguma repugnância em casar-se com a<br />

pessoa que lhe destino, em razão de tola e extravagante paixão, que parece ainda<br />

ter por aquele infame peralvilho de Pernambuco, que meteu-lhe mil caraminholas na<br />

cabeça, e encheu-a de idéias extravagantes e loucas esperanças.<br />

— Creio que ela não deve lembrar-se desse moço senão por gratidão...<br />

— Qual gratidão!... pensa vossemecê que ele está fazendo muito caso<br />

dela?... tanto como do primeiro sapato que calçou. Aquilo foi um capricho de cabeça<br />

estonteada, uma fantasia de fidalgote endinheirado, e a prova aqui está; leia esta<br />

carta... O patife tem a sem-cerimônia de escrever-me, como se entre nós nada<br />

houvesse, assim com ares de amigo velho, participando-me que se acha casado!...<br />

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