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A ESCRAVA ISAURA - BERNARDO GUIMARAES

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compadeça de sua infeliz cativa. É uma humilde escrava que com as lágrimas nos<br />

olhos e a dor no coração vos roga pelas vossas dores sacrossantas, pelas chagas<br />

de vosso Divino Filho: valei-me por piedade.<br />

Quanto Isaura era formosa naquela suplicante e angustiosa atitude! Oh!<br />

Muito mais bela do que em seus momentos de serenidade e prazer!... se a visse<br />

então, Leôncio talvez sentisse abrandar-se o férreo e obcecado coração. Com os<br />

olhos arrasados em lágrimas, que em fio lhe escorregavam pelas faces desbotadas,<br />

entreaberta a boca melancólica, que lhe tremia ao passar da prece murmurada entre<br />

soluços, atiradas em desordem pelas espáduas as negras e opulentas madeixas,<br />

voltando para o céu o busto mavioso plantado sobre um colo escultural, ofereceria<br />

ao artista inspirado o mais belo e sublime modelo para a efígie da Mãe Dolorosa, a<br />

quem nesse momento dirigia suas ardentes súplicas. Os anjos do céu, que por certo<br />

naquele instante adejavam em torno dela agitando as asas de ouro e carmim, não<br />

podiam deixar de levar tão férvida e dolorosa prece aos pés do trono da<br />

Consoladora dos aflitos.<br />

Absorvida em suas mágoas Isaura não viu seu pai, que, entrando pelo salão<br />

a passos sutis e cautelosos, encaminhava-se para ela.<br />

— Oh! Felizmente ela ali está, — murmurava o velho, — o algoz aqui<br />

também andava! Oh! Pobre Isaura!... que será de ti?!...<br />

— Meu pai por aqui!... — exclamou a infeliz ao avistar Miguel. — Venha,<br />

venha ver a que estado reduzem sua filha.<br />

— Que tens, filha?... que nova desgraça te sucede?<br />

— Não está vendo, meu pai?... eis ali a sorte, que me espera, — respondeu<br />

ela apontando para o tronco e as algemas, que ali estavam ao pé dela.<br />

— Que monstro, meu Deus!... mas eu já esperava por tudo isto...<br />

— É esta a liberdade que pretende dar àquela que a mãe dele criou com<br />

tanto amor e carinho. O mais cruel e aviltante cativeiro, um martírio continuado da<br />

alma e do corpo, eis o que resta à sua desventurada filha... Meu pai, não posso<br />

resistir a tanto sofrimento!... restava-me um recurso extremo; esse mesmo vai-me<br />

ser negado. Presa, algemada, amarrada de pés e mãos!... oh!... meu pai! Meu pai!...<br />

isto é horrível!...<br />

— Meu pai, a sua faca, – acrescentou depois de ligeira pausa com voz<br />

rouca e olhar sombrio, – preciso de sua faca.<br />

— Que pretendes fazer com ela, Isaura? Que louco pensamento é o teu?...<br />

— Dê-me essa faca, meu pai; eu não usarei dela senão em caso extremo;<br />

quando o infame vier lançar-me as mãos para deitar-me esses ferros, farei saltar<br />

meu sangue ao rosto vil do algoz.<br />

— Não, minha filha; não serão necessários tais extremos. Meu coração já<br />

adivinhava tudo isto, e já tenho tudo prevenido. O dinheiro, que não serviu para<br />

alcançar a tua liberdade, vai agora prestar-nos para arrancar-te às garras desse<br />

monstro. Tudo está já disposto, Isaura. Fujamos.<br />

— Sim, meu pai, fujamos; mas como? Para onde?<br />

— Para longe daqui, seja para onde for; e já, minha filha, enquanto não<br />

suspeitem coisa alguma, e não te carregam de ferros.<br />

— Ah! Meu pai, tenho bem medo; se nos descobrem, qual será a minha<br />

sorte!...<br />

— A empresa é arriscada, não posso negar-te; mas ânimo. Isaura; é nossa<br />

única tábua de salvação; agarremo-nos a ela com fé, e encomendemo-nos à divina<br />

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