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A ESCRAVA ISAURA - BERNARDO GUIMARAES

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www.nead.unama.br<br />

relações de duas almas sempre acordes e uníssonas em tudo. Estas tais por fim de<br />

contas, vendo que o que uma pensa, a outra também pensa, o que uma quer, a<br />

outra igualmente quer, e que nada têm a se comunicarem, enjoadas de tanto se<br />

dizerem — amém, — ver-se-ão forçadas a recolherem-se ao silêncio e a dormitarem<br />

uma em face da outra; plácida, cômoda e sonolenta amizade!... De mais, a<br />

contrariedade de tendências e opiniões são sempre de grande utilidade entre<br />

amigos, modificando-se e temperando-se umas pelas outras.<br />

É assim que muitas vezes o positivismo e o senso prático do Dr. Geraldo<br />

serviam de corretivo às utopias e exaltações de Álvaro, e vice-versa.<br />

Da boca do próprio Álvaro já ouvimos por que acaso veio ele conhecer D.<br />

Elvira, e como conseguiu levá-la ao sarau, a que ainda continuamos a assistir.<br />

— Meu pai, — dizia uma jovem senhora a um homem respeitável, em cujo<br />

braço se arrimava, entrando na ante-sala, onde ainda nos conservamos de<br />

observação. — Meu pai, fiquemos por aqui um pouco nesta sala, enquanto está<br />

deserta. Ah! Meu Deus! — continuou ela com voz abafada, depois de se terem<br />

sentado junto um do outro; — que vim eu aqui fazer, eu pobre escrava, no meio dos<br />

saraus dos ricos e dos fidalgos!... este luxo, estas luzes, estas homenagens, que me<br />

rodeiam, me perturbam os sentidos e causam-me vertigem. É um crime que cometo,<br />

envolvendo-me no meio de tão luzida sociedade; é uma traição, meu pai; eu o<br />

conheço, e sinto remorsos... Se estas nobres senhoras adivinhassem que ao lado<br />

delas diverte-se e dança uma miserável escrava fugida a seus senhores!... Escrava!<br />

— exclamou levantando-se-escrava!... afigura-se-me que todos estão lendo, gravada<br />

em letras negras em minha fronte, esta sinistra palavra!... fujamos daqui, meu pai,<br />

fujamos! Esta sociedade parece estar escarnecendo de mim; este ar me sufoca...<br />

fujamos.<br />

Falando assim a moça, pálida e ofegante, lançava a cada frase olhares<br />

inquietos em roda de si, e empuxava o braço de seu pai, repetindo sempre com<br />

ansiosa sofreguidão:<br />

— Vamo-nos, meu pai; fujamos daqui.<br />

— Sossega teu coração, minha filha, — respondeu o velho procurando<br />

acalmá-la. — Aqui ninguém absolutamente pode suspeitar quem tu és. Como<br />

poderão desconfiar que és uma escrava, se de todas essas lindas e nobres<br />

senhoras nem pela formosura, nem pela graça e prendas do espirito nenhuma pode<br />

levar-te a palma?<br />

— Tanto pior, meu pai; sou alvo de todas as atenções, e esses olhares<br />

curiosos, que de todos os cantos se dirigem sobre mim, fazem-me a cada instante<br />

estremecer; desejaria até que a terra se abrisse debaixo de meus pés, e me sumisse<br />

em seu seio.<br />

— Deixa-te dessas idéias; esse teu medo e acanhamento é que poderiam<br />

nos pôr a perder, se acaso houvesse o mais leve motivo de receio. Ostenta com<br />

desembaraço todos os seus encantos e habilidades, dança, canta, conversa,<br />

mostra-te alegre e satisfeita, que longe de te suporem uma escrava, são capazes de<br />

pensar que és uma princesa.<br />

—Toma ânimo, minha filha, ao menos por hoje; esta também, assim como é<br />

a primeira, será a derradeira vez que passaremos por este constrangimento; não nos<br />

é possível ficar por mais tempo nesta terra, onde começamos a despertar suspeitas.<br />

— É verdade, meu pai!... que fatalidade!... — respondeu a moça com uma<br />

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