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edição de 30 de abril de 2018

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última página<br />

mythja/iStock<br />

Sobre rabanetes<br />

e notícias<br />

Claudia Penteado<br />

momento é propício para voltar a este<br />

O que é um dos meus temas favoritos: o<br />

(bom) jornalismo, o que vale quanto pesa.<br />

Inspiram-me algumas notícias e, em especial,<br />

o recente artigo do Antonio Prata,<br />

Pague pela notícia, amigo, publicado na<br />

Folha. “Produzir rabanetes custa dinheiro.<br />

Produzir notícias, i<strong>de</strong>m”, disparou ele,<br />

lindamente, em <strong>de</strong>fesa daquilo que parece<br />

ter ficado em segundo plano nos anos<br />

(décadas?) pós-digitais, ou seja lá como<br />

convém chamar hoje o cenário bem mais<br />

líquido do que aquele <strong>de</strong>scrito pelo saudoso<br />

pensador Zygmunt Bauman. Quanto vale<br />

a notícia é algo que se per<strong>de</strong>u <strong>de</strong> perspectiva<br />

em um ambiente inicialmente estranho<br />

à publicida<strong>de</strong> - ela, que sempre sustentou,<br />

em bases sólidas, a produção <strong>de</strong> conteúdo.<br />

O <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> estar naquela terra <strong>de</strong> ninguém,<br />

que parecia imprescindível à sobrevivência<br />

<strong>de</strong> qualquer pessoa ou empresa,<br />

levou todos a um voo<br />

cego <strong>de</strong> encontro às re<strong>de</strong>s,<br />

oferecendo gratuitamente<br />

no meio digital aquilo que<br />

sempre foi transação comercial<br />

no meio físico.<br />

Mundos apartados, mundos que precisavam<br />

se fundir, se complementar, só que<br />

ninguém ainda entendia como, ou por quê.<br />

Ou para quê. Assim, o espaço digital foi rapidamente<br />

dominado por plataformas que nasceram<br />

digitais, que foram ditando as regras<br />

comerciais daquele novo plano. O jornalismo<br />

<strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> foi sendo ofertado gratuitamente<br />

a quem tivesse um mouse, <strong>de</strong>pois um<br />

iPad, e logo um smartphone. Pouco a pouco,<br />

a ficha caiu: “Bom jornalismo vale mais do<br />

que bons rabanetes”. E cada vez mais vemos<br />

o bom jornalismo sendo valorizado, conteúdos<br />

sendo fechados mediante o pagamento<br />

<strong>de</strong> valores - inferiores aos do velho mundo<br />

analógico, é verda<strong>de</strong>, mas não se po<strong>de</strong> ter<br />

tudo, não é mesmo? O importante é que há<br />

mo<strong>de</strong>los possíveis <strong>de</strong> sobrevivência nesta<br />

selva esparsa, <strong>de</strong> perdas e ganhos, em que<br />

a chamada “jornada do leitor” é híbrida e<br />

“Cada vez<br />

mais vemos o<br />

jornalismo sendo<br />

valorizado”<br />

fragmentada, composta <strong>de</strong> diversas partes,<br />

como um quebra-cabeças que não se completa<br />

nunca.<br />

No mundo digital, se informar é um processo<br />

gradual que nunca termina, conforme<br />

<strong>de</strong>screve o colunista Joel Pinheiro da Fonseca,<br />

que viveu e relatou, a convite da Folha,<br />

a experiência <strong>de</strong> uma semana inteira apenas<br />

se informando via veículos impressos. Desplugado<br />

durante sete dias, chegou a algumas<br />

conclusões: entre as perdas, houve a <strong>de</strong>fasagem<br />

do tempo real, a estranha e anacrônica<br />

sensação <strong>de</strong> ler apenas no dia seguinte notícias<br />

comentadas por colegas no dia anterior.<br />

Junto com as notícias em tempo real pipocando<br />

a cada segundo nas telas, ele per<strong>de</strong>u<br />

os memes, as piadas e os comentários que<br />

hoje fazem parte do universo da informação.<br />

O ganho foi a <strong>de</strong>scoberta da leitura organizada,<br />

sem distrações, e guiada pelos editores<br />

dos jornais e não os algoritmos<br />

das re<strong>de</strong>s. Ter um tempo<br />

<strong>de</strong>limitado para se informar,<br />

e no resto do dia não<br />

mais pensar nisso, lhe <strong>de</strong>u<br />

mais paz <strong>de</strong> espírito, purificou<br />

sua mente estafada pelas<br />

re<strong>de</strong>s. Mas para ele - e para as gerações que<br />

só conhecem o flutuante mundo digital -, há<br />

o momento inevitável <strong>de</strong> voltar, <strong>de</strong>sta vez levando<br />

consigo uma injeção <strong>de</strong> senso crítico<br />

muito útil no retorno à navegação. E a certeza<br />

<strong>de</strong> que há ganho na leitura mais sossegada<br />

do impresso - como uma espécie <strong>de</strong> bússola<br />

para não se per<strong>de</strong>r no infinito oceano digital.<br />

O que me leva a fazer uma provocação,<br />

consi<strong>de</strong>rando que, em um futuro não tão<br />

distante, haverá somente pessoas que, como<br />

Joel, estarão habituadas ao oceano digital<br />

<strong>de</strong> notícias e, ao contrário <strong>de</strong>le, jamais terão<br />

tido a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> saborear, <strong>de</strong> um jeito<br />

mais sereno, o bom jornalismo. O que, afinal<br />

<strong>de</strong> contas, as gran<strong>de</strong>s marcas <strong>de</strong> produção<br />

<strong>de</strong> conteúdo, muitas <strong>de</strong>las centenárias, que<br />

nasceram na era pré-digital, estão fazendo,<br />

afinal, para conquistar o leitor do futuro?<br />

Tenho alguns insights a esse respeito. To be<br />

continued, num próximo artigo.<br />

54 <strong>30</strong> <strong>de</strong> <strong>abril</strong> <strong>de</strong> <strong>2018</strong> - jornal propmark

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