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O RETORNO DA NARRATIVA. Análise crítica da narrativa. MOTTA, Luiz Gonzaga.

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as diferenças e renegociar significados comunitários. Essa negociação<br />

é possível graças ao aparato narrativo de que dispomos para fazer<br />

frente simultaneamente à canonici<strong>da</strong>de (normas) e à excepcionali<strong>da</strong>de<br />

(desvios, diferenças), como vimos no primeiro capítulo.<br />

Os acontecimentos relatados pelas <strong>narrativa</strong>s (realistas<br />

ou imaginárias) são performati^ados por personagens, atores que<br />

representam seres humanos concretos ou imaginários, e realizam<br />

coisas que os humanos também realizam (antropomorfismo natural<br />

<strong>da</strong> <strong>narrativa</strong>). A construção de personagens e ações na <strong>narrativa</strong> é<br />

uma representação de condutas humanas que fornecem ao narrador<br />

a matéria-prima e os modelos. Ao narrar, alguém está explorando na<br />

sua imaginação possíveis desenvolvimentos (reais ou ficcionais) <strong>da</strong>s<br />

condutas e comportamentos humanos, que os teóricos chamam de<br />

ativi<strong>da</strong>de mimética (ou imitação).<br />

Mimese é uma expressão que entrou no âmbito <strong>da</strong> narratologia<br />

pelos escritos dos filósofos gregos Platão e Aristóteles. Originalmente, o<br />

conceito significa imitação, recriação ou representação do mundo por<br />

meio de algum tipo de configuração. Mas, ao configurar, o homem vai<br />

além do objeto representado, acrescenta algo e, neste ato, apropria-se<br />

do mundo. No dizer de Gebauer e Wulf (2004), na mimese o homem<br />

"refaz o mundo uma vez mais". Ocorrendo de maneira criativa, a<br />

mimese gera expressões estéticas (as artes). Mas os processos miméticos<br />

têm também uma dimensão antropológica, uma relação com o saber<br />

prático e a ação social. Os processos miméticos são imprescindíveis para<br />

a relação do homem com a natureza, a cultura e a socie<strong>da</strong>de, dizem<br />

os autores: por meio deles, o homem se a<strong>da</strong>pta ao mundo porque lhe<br />

possibilitam "apanhar o mundo exterior em seu interior" (2004, p. 38).<br />

No capítulo sobre metodologia, adiante, discutirei o processo de captar<br />

progressivamente os fenômenos até chegar a sua essência.<br />

Paul Ricoeur (1994) observa que a mimese (imitação) <strong>narrativa</strong><br />

é uma metáfora <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de, refere-se à reali<strong>da</strong>de não para copiála,<br />

mas para lhe outorgar uma nova leitura, um novo significado.

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