18.12.2018 Views

O RETORNO DA NARRATIVA. Análise crítica da narrativa. MOTTA, Luiz Gonzaga.

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

imaginação imita a vi<strong>da</strong> e a vi<strong>da</strong> imita a ficção. Os processos miméticos,<br />

como observam os citados Gebauer e Wulf (2004), ocorrem em um<br />

nível abaixo <strong>da</strong>s fronteiras de demarcação entre arte, ciência e vi<strong>da</strong>.<br />

Quem narra evoca eventos conhecidos, seja porque os inventa,<br />

seja porque os tenha vivido ou presenciado diretamente (atitude de<br />

alteri<strong>da</strong>de). Revela, assim, uma tendência para a exteriorização temporal,<br />

para uma atitude de distanciamento autônomo. Mas sempre de forma<br />

verossímil, como se os houvesse presenciado. Narrar é uma técnica de<br />

enunciação dramática <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de, de modo a envolver o ouvinte na<br />

estória narra<strong>da</strong>. Narrar não é, portanto, apenas contar ingenuamente<br />

uma história, é uma atitude argumentativa, um dispositivo de linguagem<br />

persuasivo, sedutor e envolvente. Narrar é uma atitude - quem narra<br />

quer produzir certos efeitos de sentido através <strong>da</strong> narração.<br />

Como vimos antes, o psicólogo Jerome Bruner (1998)<br />

argumenta que as estórias verídicas ou imagina<strong>da</strong>s, conta<strong>da</strong>s e<br />

reconta<strong>da</strong>s por uma socie<strong>da</strong>de, outorgam implicitamente significados<br />

às condutas canónicas e às condutas excepcionais (desviantes) <strong>da</strong>s<br />

personagens <strong>da</strong>s estórias (protagonistas e antagonistas). Segundo ele,<br />

a função <strong>da</strong>s estórias é encontrar um estado intencional que torne<br />

compreensíveis os desvios dos padrões culturais canónicos, como<br />

já vimos. Assim, as narrações mediam entre o mundo canónico <strong>da</strong><br />

cultura e o mundo mais idiossincrático <strong>da</strong>s crenças, dos deuses e <strong>da</strong>s<br />

esperanças pessoais. Fazem com que o excepcional seja compreensível,<br />

reiteram as normas sem serem didáticas. Por exemplo, as biografias<br />

e autobiografias (<strong>narrativa</strong>s do eu) fazem com que as formas<br />

ficcionais proporcionem linhas estruturais mediante as quais se<br />

organizam as vi<strong>da</strong>s reais. Vê-se, portanto, que contar estórias (através<br />

<strong>da</strong>s telenovelas, do jornalismo, do cinema, <strong>da</strong> literatura) não é úma<br />

ativi<strong>da</strong>de unicamente estética, desprovi<strong>da</strong> de intencionali<strong>da</strong>des.<br />

É um dispositivo argumentativo de linguagem para convencer,<br />

provocar efeitos, mu<strong>da</strong>r o estado de espírito de quem ouve, lê ou vê<br />

uma história. Os relatos em forma de depoimentos <strong>da</strong>s testemunhas

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!