O RETORNO DA NARRATIVA. Análise crítica da narrativa. MOTTA, Luiz Gonzaga.
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Essa nova narratologia, à qual me filio, dedica-se ao estudo dos processos<br />
de relações humanas que produzem sentidos através de expressões narrativ<br />
sejam elas factuais (jornalismo, história, biografias, manifestações orais,<br />
por exemplo) ou ficcionais (romances, contos, cinema, telenovelas,<br />
mitos). Procura entender como os sujeitos sociais constroem<br />
intersubjetivamente seus significados pela apreensão, representação e<br />
expressão <strong>narrativa</strong> <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de. A produção cultural de sentidos é,<br />
portanto, um fator prévio que implica e engloba essa nova narratologia.<br />
Assim, a nova narratologia não se reduz mais às expressões<br />
ficcionais, não é um ramo <strong>da</strong> teoria literária. Inclui to<strong>da</strong>s as produções<br />
do ser humano cuja quali<strong>da</strong>de essencial é o relato de uma sucessão de<br />
estados de transformação e cujo princípio organizador do discurso é o<br />
contar. Como princípio produtor de sentidos, interessa à historiografia,<br />
ciências políticas, antropologia, direito, comunicação e outras ciências.<br />
Dessa maneira, a narratologia atribui às narrações uma posição de<br />
centrali<strong>da</strong>de nas intersubjetivas relações humanas, capaz assim de <strong>da</strong>r<br />
conta <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de física e cultural do ser humano.<br />
Alguns psicólogos afirmam que nossa tendência para organizar<br />
a experiência de forma <strong>narrativa</strong> é um impulso humano anterior à<br />
aquisição <strong>da</strong> linguagem mesma, investi<strong>da</strong> de canonici<strong>da</strong>de, conforme<br />
realçamos antes: temos uma predisposição primitiva e inata para<br />
a organização <strong>narrativa</strong> <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de (BRUNER, 1998). A nossa<br />
biografia, por exemplo, não é apenas uma autopercepção do nosso eu. Ser<br />
um eu com passado e futuro não é ser um agente independente, mas<br />
estar imerso em relações, em um processo ininterrupto em marcha,<br />
em sequências globais dirigi<strong>da</strong>s a metas, que diferenciam o eu dos<br />
outros (GERGEN, 1996).<br />
Desde essa perspectiva original, a atitude <strong>narrativa</strong> antecede os<br />
acontecimentos: o contar êprecedido de umapré-estrutura <strong>narrativa</strong> que estabel<br />
uma meta, algo a explicar, um estado a alcançar. Para Gergen (1996), sonhamo<br />
narrando, imaginamos narrando, relembramos narrando, acreditamos,<br />
duvi<strong>da</strong>mos, construímos, conversamos, aprendemos, amamos e