O RETORNO DA NARRATIVA. Análise crítica da narrativa. MOTTA, Luiz Gonzaga.
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Entretanto, o relato jornalístico por excelência é de outro tipo e<br />
gênero. A grande maioria <strong>da</strong>s notícias do dia a dia é redigi<strong>da</strong> em terceira<br />
pessoa, numa linguagem descritiva, direta e objetiva<strong>da</strong>. Se o analista<br />
quiser tomar este tipo de notícia como <strong>narrativa</strong>, enfrentará desafios<br />
conceituais e metodológicos mais complexos. O texto dessas notícias é<br />
enxugado de qualquer manifestação subjetiva e mantém uma proximi<strong>da</strong>de<br />
definitiva com o referente empírico. A intenção é produzir o efeito<br />
de reali<strong>da</strong>de, a veraci<strong>da</strong>de. São as chama<strong>da</strong>s hard nem <strong>da</strong>s editorias de<br />
política, economia, internacional, ci<strong>da</strong>des, por exemplo, escritas em<br />
linguagem descritiva clara, direta, enxuta, que se quer objetiva.<br />
A expressão mais visível desse estilo duro é o chamado lide<br />
jornalístico, onde o repórter relata em linguagem direta o quê, quem,<br />
onde, quando, como c o porquê do incidente reportado. O desafio do<br />
analista para identificar o narrativo nesse texto duro, fragmentado e<br />
inconcluso é muito maior porque o texto é seco, não tem a pretensão<br />
de encadear sequências integrais nem de compor uma intriga no<br />
sentido integral do termo. Da mesma maneira, não é fácil analisá-lo<br />
como <strong>narrativa</strong>, jornalistas não contam estórias, reproduzem fielmente<br />
a reali<strong>da</strong>de como um espelho, diz o jargão <strong>da</strong> profissão. Em princípio,<br />
não há nenhuma semelhança entre esse estilo duro e as expressões<br />
<strong>narrativa</strong>s poéticas, como os contos, filmes ou romances. Se as hard nem<br />
não admitem subjetivi<strong>da</strong>de ou fantasia, são fragmenta<strong>da</strong>s e inconclusas,<br />
como, quando e por que considerá-las <strong>narrativa</strong>s?<br />
A meu ver, a lógica <strong>narrativa</strong> só se revelará nas duras e cruas<br />
notícias do dia a dia se observarmos como elas li<strong>da</strong>m com o tempo<br />
e o organizam. O tempo no relato jornalístico é difuso, anárquico,<br />
invertido. Por isso, a lógica e a sintaxe <strong>narrativa</strong>s só despontarão se<br />
pudermos reconfigurar os relatos como uni<strong>da</strong>des temáticas, intrigas<br />
atos de fala jornalísticos (<strong>MOTTA</strong>, 2006). A análise demonstrou que, além de repassar<br />
informações banais, esse tipo de notícia repassa outras instruções de uso aos receptores: ativam<br />
excedentes de significação para muito além <strong>da</strong> informação.. Essas notícias são atos realizativos<br />
porque desencadeiam nos interlocutores performances cognitivas e metacognitivas de<br />
exploração permanente entre o verossímil e o inverossímil, o absurdo e o normal, etc.