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Revista eMOBILIDADE+ #03

A revista eMobilidade + Dedica-se, em exclusivo, à mobilidade de pessoas e bens, nos seus vários modos de transporte (rodoviário, ferroviário, aéreo, fluvial e marítimo), conferindo deste modo espaço aos mais proeminentes “stakeholders” do setor, sejam eles indivíduos, empresas, instituições ou entidades académicas.

A revista eMobilidade + Dedica-se, em exclusivo, à mobilidade de pessoas e bens, nos seus vários modos de transporte (rodoviário, ferroviário, aéreo, fluvial e marítimo), conferindo deste modo espaço aos mais proeminentes “stakeholders” do setor, sejam eles indivíduos, empresas, instituições ou entidades académicas.

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MOBILIDADE<br />

Opinião Orlando Ferreira<br />

ruptivas. Os incumbentes quase sempre avaliam as mudanças<br />

como incrementais na certeza de serem capazes de controlar<br />

os passos seguintes. Nem sempre acontece!<br />

‘Comprar bem’<br />

continua a ser uma<br />

visão distante e hoje,<br />

nem temos ‘suficiente<br />

BAUMOL’, nem o setor<br />

está mais sustentável,<br />

nem as empresas estão<br />

mais qualificadas<br />

UMA VIAGEM AO CAMINHO PERCORRIDO<br />

E UMA TEORIA MAL-AMADA<br />

Até aos anos 60, o setor dos transportes públicos viveu de<br />

uma forma sustentada sem necessidade de subsídios, mas, a<br />

partir daí, a sustentabilidade do setor foi negativamente influenciada<br />

pelos aumentos dos salários, pela crescente suburbanização<br />

verificada nas grandes áreas metropolitanas, pela<br />

passagem da semana de trabalho para apenas cinco dias, pela<br />

crescente utilização do transporte individual nas deslocações<br />

diárias, etc. Estas foram algumas das razões que trouxeram<br />

para a agenda governamental a necessidade de subsidiação ao<br />

transporte público de passageiros.<br />

Nos anos 80 assistiu-se na Europa a um movimento de descentralização<br />

com a migração do nível de decisão do poder<br />

central para o poder regional e local, o que se tornou numa<br />

oportunidade para que os novos atores quisessem fazer as<br />

coisas de um modo diferente do que antes se fazia.<br />

Em 1982 no mundo académico, surgiu uma teoria que revolucionou<br />

a forma de se pensar o mercado e a competição:<br />

a teoria dos mercados disputados (Theory of Contestable<br />

Markets de William Baumol). Anteriormente, havendo a ideia<br />

de que a competição só funcionava bem com vários operadores<br />

económicos competindo no mercado, conseguiu-se<br />

demonstrar que, afinal, existia uma alternativa para a organização<br />

do mercado. Numa região adequadamente regulada e<br />

com imediatas alternativas de transporte em caso de insucesso,<br />

uma única empresa de transportes, em aparente situação<br />

de monopólio, podia ter um desempenho altamente eficaz.<br />

Esta teoria veio provar que, com certas condições cumpridas<br />

e respeitadas, os incumbentes se comportavam como estanfoco<br />

e não nos caminhos escolhidos para os atingir. Esses<br />

caminhos (inclusive a opção por procedimentos abertos) têm<br />

apenas um carácter instrumental de modo a conseguir satisfazer<br />

as necessidades das entidades adjudicantes e contribuir<br />

para um desejável processo de desenvolvimento, equilibrado,<br />

sustentável.<br />

Garantir serviços de transporte de passageiros seguros,<br />

eficazes e de elevada qualidade graças a uma concorrência<br />

regulada (Livro Branco, 2001).<br />

Assegurar serviços de interesse geral que sejam mais numerosos,<br />

mais seguros, de melhor qualidade e mais baratos, com<br />

base em procedimentos de adjudicação transparentes, equitativos<br />

e concorrenciais (Regulamento 1370/2007).<br />

No dogma (ponto fundamental de doutrina) em que tudo<br />

deve ser organizado com base em procedimentos abertos<br />

(concursos públicos) são as autoridades de transportes que<br />

têm hoje a responsabilidade de escolher os operadores de<br />

transporte. Desconhecendo quem poderá ser o melhor e mais<br />

eficiente futuro prestador dos serviços (apesar de muitas vezes<br />

se ter ali, bem à mão, um bom e dedicado incumbente) a<br />

entidade adjudicante organiza um ‘jogo’ onde se fazem umas<br />

‘perguntas’ e se escolhem depois as melhores respostas de<br />

modo a encontrar o melhor jogador/operador. Na realidade, a<br />

finalidade última destes ‘jogos’ (competitive tendering) acaba<br />

por ser manter intacto um monopólio para os próximos oito/<br />

dez anos e escolher o melhor monopolista para esse período.<br />

Não se pode utilizar quem se tem à mão e conhece bem e<br />

vai-se procurar, algures no mundo, um monopolista desconhecido.<br />

É este o jogo que tem que ser jogado, ponto final.<br />

A INVIOLABILIDADE TERMODINÂMICA<br />

Segundo Schrodinger, ‘a vida é uma luta permanente contra<br />

a segunda sei da sermodinâmica’ que, em termos muito<br />

Garantir serviços de transporte<br />

de passageiros seguros, eficazes<br />

e de elevada qualidade graças<br />

a uma concorrência regulada<br />

(Livro Branco, 2001)<br />

simples, nos diz que a desordem tem sempre tendência a<br />

aumentar.<br />

“Quando um sistema é deixado ao seu próprio controlo, ele<br />

assume um estado de máxima entropia, isto é, torna-se o<br />

mais desordenado possível. Este estado, denominado estado<br />

de equilíbrio, é a condição estável final”.<br />

Todos os sistemas tendem a evoluir para estados de equilíbrio<br />

que correspondem a altos graus de desorganização estrutural<br />

e máxima entropia. Estabelecendo que os processos se<br />

realizam sempre numa mesma direção, não está inibida a<br />

evolução de um sistema para um grau de maior organização e<br />

complexidade.<br />

O setor dos transportes não é exceção e, também ele, lá vai<br />

travando a sua luta contra a segunda sei da termodinâmica.<br />

Deixado ao seu próprio controlo e à sua sorte, o setor pode<br />

acelerar a aproximação ao seu estado de estado de equilíbrio<br />

termodinâmico. Apesar de todos acreditarmos que esta situação<br />

se irá reverter, os mais otimistas continuam a ser os que<br />

não estudaram termodinâmica.<br />

Numa permanente procura de equilíbrio e de organização, o<br />

setor defronta-se com um ‘mundus novus’ carregado de mudanças,<br />

umas vezes incrementais (as que somos capazes de<br />

prever e se incorporam no senso comum) e muitas vezes dis-<br />

UM NOVO OLHAR DE CIMA<br />

A mobilidade é hoje uma temática da responsabilidade dos<br />

municípios, no entanto, as externalidades que devem poder<br />

gerir, manifestam-se pelo somatório daquilo que são as suas<br />

opções e das opções de outras entidades regionais, nacionais<br />

e mesmo supranacionais. Exige-se assim uma maior coordenação<br />

por parte de alguém que possa observar este fenómeno<br />

numa perspetiva de conjunto (oversight body). Alguém que,<br />

a nível nacional, funcione como um facilitador (enabler) que<br />

esteja no terreno, não para impedir que aconteça este ou<br />

aquele modelo, esta ou aquela ou tecnologia, mas sim para estabelecer<br />

as balizas e os enquadramentos que permitam a conciliação<br />

dos interesses legítimos dos diferentes atores e partes<br />

interessadas: Estado, autoridades de transporte, operadores<br />

económicos, passageiros, contribuintes, etc.<br />

No atual contexto do nosso setor, altamente entrópico disruptivo,<br />

proliferam tensões conflituosas (proteção da concorrência<br />

vs interesse público, por exemplo) e pulsões contraditórias<br />

decorrentes das mudanças irreversíveis que evoluíram numa<br />

certa direção e que, com elevada probabilidade, dificilmente<br />

se reverterão.<br />

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