Jardim de Alah - Academia Brasileira de Letras
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Ubiratan Machado<br />
e ditavam a moda em todo o mundo. Em suma, a França emu<strong>de</strong>cia e a imprensa<br />
queixava-se da “escassez completa e absoluta” <strong>de</strong> obras em francês.<br />
A falta <strong>de</strong> contato com a produção intelectual francesa seria <strong>de</strong> certa forma<br />
compensada pela implantação <strong>de</strong> uma inédita indústria editorial voltada à edição<br />
<strong>de</strong> obras em francês e por um fato ainda mais insólito nas relações culturais<br />
entre os dois povos.<br />
Des<strong>de</strong> o século XIX, muitos escritores franceses tinham vivido no Brasil, mas<br />
ou eram diplomatas, como o irritadiço Gobineau ou o cavalheiresco Clau<strong>de</strong>l, ou<br />
turistas vivendo entre os dois continentes, como o suíço, quase francês, Blaise<br />
Cendrars. O fato <strong>de</strong> um dos gran<strong>de</strong>s escritores franceses <strong>de</strong>ixar a sua terra, passando<br />
a viver e produzir no Brasil, era novida<strong>de</strong>. Claro que estamos falando <strong>de</strong><br />
Georges Bernanos, talvez o escritor francês mais amado e execrado da época.<br />
Georges Bernanos<br />
Os motivos alegados por Bernanos para se mudar para a América do Sul são conhecidos:<br />
impossibilida<strong>de</strong> financeira <strong>de</strong> viver na França. Era apenas parte da verda<strong>de</strong>.<br />
Por trás do dinheiro existiam motivos <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m espiritual muito mais fortes: o <strong>de</strong>salento<br />
diante da inversão <strong>de</strong> valores e da corrupção do mundo mo<strong>de</strong>rno, a busca <strong>de</strong>sesperada<br />
<strong>de</strong> uma terra <strong>de</strong> paz, longe do clima <strong>de</strong> ódio que infestava a velha Europa,<br />
às vésperas dos acordos <strong>de</strong> Munique e da eclosão da II Guerra Mundial.<br />
Na realida<strong>de</strong>, o exílio no plano físico correspondia à situação psicológica <strong>de</strong><br />
Bernanos <strong>de</strong> exilado do mundo mo<strong>de</strong>rno. Tanto assim que o país escolhido foi<br />
o Paraguai, uma miragem <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a adolescência, espécie <strong>de</strong> paraíso bíblico com<br />
sua mitologia particular, on<strong>de</strong> por certo não sonharia com rios <strong>de</strong> leite e mel,<br />
mas com algo mais improvável: paz e fraternida<strong>de</strong> entre os homens.<br />
A atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong>sagradou a alguns intelectuais, que viam nela uma fuga. François<br />
Mauriac, com uma ponta <strong>de</strong> malda<strong>de</strong>, disse que Bernanos saía da França<br />
cada vez que a via em dificulda<strong>de</strong>s.<br />
Não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser ilustrativo lembrar que, durante a ocupação, enquanto<br />
Mauriac, isolado em sua casa entre vinhedos, nos arredores <strong>de</strong> Bor<strong>de</strong>aux, per<strong>de</strong>u<br />
praticamente a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> expressão, o fujão Bernanos tenha encarnado a<br />
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