Jardim de Alah - Academia Brasileira de Letras
Jardim de Alah - Academia Brasileira de Letras
Jardim de Alah - Academia Brasileira de Letras
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
Alberto da Costa e Silva<br />
mente para libertá-lo, mas da dura experiência lhe ficou o travo da injustiça<br />
humilhante. Deixou-se ficar em Salvador, que se tornara a sua terra e on<strong>de</strong>, em<br />
1960, adquirira morada.<br />
É bem verda<strong>de</strong> que não cortara <strong>de</strong> todo os laços com sua pátria <strong>de</strong> primeiro<br />
nascimento. Tanto assim que se submetera, em 1968, aos exames para doutoramento<br />
na Sorbonne, com uma tese notável, que se tornaria um gran<strong>de</strong> livro,<br />
o Fluxo e Refluxo. Mas não o animou o propósito, a não ser talvez em algum<br />
raro momento, <strong>de</strong> a ela permanentemente regressar. O doutoramento serviu-lhe<br />
para ser professor visitante em várias instituições africanas e na Universida<strong>de</strong><br />
Fe<strong>de</strong>ral da Bahia, se é que precisava <strong>de</strong> título para qualificar o que era:<br />
um verda<strong>de</strong>iro sábio. Um sábio no sentido europeu e no sentido africano da<br />
palavra.<br />
Quando o conheci, já estava perto dos 70 anos, e os cabelos brancos lhe<br />
acentuavam a jovialida<strong>de</strong> e o entusiasmo. Tinha no rosto pálido um olhar <strong>de</strong><br />
pássaro, forte e perscrutador, que contrastava com o seu jeito manso, discreto,<br />
mo<strong>de</strong>sto. Falamos com sauda<strong>de</strong> <strong>de</strong> nossa comum amiga, D. Romana da Conceição,<br />
e das cartas que ela nos enviara da Nigéria. E <strong>de</strong> D. Angélica da Rocha<br />
Thomas, outra agudá muito querida, e sua Water House. E dos velhos sobrados<br />
brasileiros <strong>de</strong> Lagos, <strong>de</strong> alguns dos quais tudo o que restava eram as suas fotografias.<br />
Ele <strong>de</strong>dicou-me dois <strong>de</strong> seus livros. Em francês. Pois o francês continuou<br />
a ser o seu idioma <strong>de</strong> escrita.<br />
No fundo da alma, até à sua morte em 1996, Verger não <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> ser francês,<br />
embora se tenha tornado Fatumbi e baiano, euro-africano e euro-afro-brasileiro.<br />
Ganhar novas i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s não significava para ele per<strong>de</strong>r as antigas.<br />
Somava; não subtraía. Como <strong>de</strong> norma no universo dos orixás.<br />
344