Jardim de Alah - Academia Brasileira de Letras
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A literatura francesa no Brasil durante a II Guerra Mundial<br />
ca nos valores da terra, a nostalgia do Ancien Régime como símbolo <strong>de</strong> estabilida<strong>de</strong><br />
e liberda<strong>de</strong>, e o culto ao catolicismo, um culto com o fervor e as alucinações<br />
<strong>de</strong> um cruzado disposto a conquistar o mundo para Cristo com a sua<br />
espada sagrada, ou a sua pena afiada, e por isso mesmo barulhento, inconformista,<br />
dogmático e rebel<strong>de</strong>.<br />
Em Pirapora, sem nenhuma fonte <strong>de</strong> renda, além daquela auferida pelo trabalho<br />
cotidiano, o escritor repetiu a rotina do que fazia na França: escrever, escrever,<br />
escrever. A aventura durou cerca <strong>de</strong> um ano e foi <strong>de</strong>sastrosa em termos<br />
financeiros. Bernanos adquiriu uma fazenda com 550 cabeças <strong>de</strong> gado, com o<br />
sonho <strong>de</strong> que os lucros da pecuária lhe permitiriam escrever com tranqüilida<strong>de</strong>.<br />
Logo constatou que tinha <strong>de</strong> escrever para alimentar os bois e vacas. Acabou<br />
se <strong>de</strong>sfazendo da proprieda<strong>de</strong>, mas a cida<strong>de</strong> lhe <strong>de</strong>ixou vincos na alma.<br />
De Pirapora mudou-se, em agosto <strong>de</strong> 1940, para a localida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Cruz das<br />
Almas, em Barbacena, “diante <strong>de</strong> um imenso horizonte <strong>de</strong> montanhas selvagens,<br />
que cavalgam umas sobre as outras por centenas <strong>de</strong> quilômetros”. Dias antes, em<br />
18 <strong>de</strong> junho, quando se achava hospedado em um hotel em Belo Horizonte, ouviu<br />
pelo rádio o apelo do General De Gaulle para que todos os franceses se empenhassem<br />
na libertação da pátria. Decidiu então entrar em combate com a única<br />
arma <strong>de</strong> que dispunha e sabia manejar: a palavra. Começou a escrever uma série<br />
<strong>de</strong> violentos panfletos para a BBC <strong>de</strong> Londres, convocando os homens livres<br />
a combaterem toda forma <strong>de</strong> opressão, origem <strong>de</strong> Lettre aux Anglais.<br />
Nos últimos anos, Bernanos passava cada vez mais tempo no Rio <strong>de</strong> Janeiro,<br />
cida<strong>de</strong> que consi<strong>de</strong>rava “prodigiosamente bela”. Vivia então uma terrível crise<br />
espiritual, que o levou a procurar um psiquiatra, o Dr. Ombredane. Fazia também<br />
uma incipiente vida literária, o que talvez fosse um bom coadjuvante na terapia<br />
psiquiátrica. Pelo menos lhe permitia exercer o dom da maledicência.<br />
Podia ser visto à tar<strong>de</strong> numa mesa do café Amarelinho, escrevendo. O burburinho<br />
da Cinelândia, o barulho do trânsito, os gritos dos garçons, nada o incomodava.<br />
Pelo contrário, tinha necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sse contato humano para se<br />
concentrar. E cultivava amigos queridos, como Jorge <strong>de</strong> Lima, Alceu Amoroso<br />
Lima, Virgílio <strong>de</strong> Melo Franco.<br />
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