VÁRIOS AUTORES - Projeto de Mão em Mão
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A Fera – Um caso <strong>de</strong> invectiva<br />
uma fera malvada. Ou, talvez, fosse pura e simplesmente<br />
louco.”<br />
Ele proferiu essa suposição num tom tão sincero que<br />
não pu<strong>de</strong> impedir-me <strong>de</strong> sorrir. Ele parou <strong>de</strong> mor<strong>de</strong>r o<br />
lábio inferior para me <strong>de</strong>saar.<br />
“E daí? Por que não? Por que não haveria algo <strong>em</strong> sua<br />
estrutura, <strong>em</strong> suas linhas que correspon<strong>de</strong>sse a… O que<br />
é a loucura? Apenas alguma coisa lev<strong>em</strong>ente errada no<br />
nosso cérebro. Por que não existiria um navio louco – quero<br />
dizer, louco <strong>de</strong>ntro da maneira <strong>de</strong> ser dos navios? De<br />
modo que, <strong>em</strong> circunstância alguma, você pu<strong>de</strong>sse ter certeza<br />
<strong>de</strong> que ele ia fazer o que qualquer outro navio ajuizado<br />
faria naturalmente para você? Há navios que avançam<br />
<strong>de</strong>scontrolados; outros cuja estabilida<strong>de</strong> não é conável;<br />
outros que precisam <strong>de</strong> vigilância cerrada quando navegam<br />
sob vendaval; e também po<strong>de</strong> haver navios que se<br />
comportam como se estivess<strong>em</strong> <strong>em</strong> t<strong>em</strong>po borrascoso a<br />
cada ventinho. Mas nesses casos já se sabe que eles vão<br />
agir assim o t<strong>em</strong>po todo. Torna-se parte da personalida<strong>de</strong><br />
do navio, exatamente como se levam <strong>em</strong> consi<strong>de</strong>ração as<br />
peculiarida<strong>de</strong>s do t<strong>em</strong>peramento <strong>de</strong> um hom<strong>em</strong> ao lidar<br />
com ele. Mas com aquele navio, impossível. Ele era imprevisível.<br />
Se não fosse louco, então era a fera mais malévola,<br />
dissimulada e selvag<strong>em</strong> jamais lançada ao mar. Vi aquele<br />
navio navegar serenamente sob vendaval durante dois<br />
dias e, no terceiro, panejar 5 até duas vezes na mesma tar<strong>de</strong>.<br />
Da primeira vez jogou o timoneiro <strong>de</strong> um só golpe por<br />
cima da roda do l<strong>em</strong>e, mas como não conseguiu matá-<br />
-lo, tentou novamente cerca <strong>de</strong> três horas <strong>de</strong>pois. Encheu-<br />
-se <strong>de</strong> água na proa e na popa, estourou toda a lona que<br />
havíamos colocado, <strong>de</strong>ixou todos os marujos <strong>em</strong> pânico, e<br />
amedrontou até mesmo a senhora Colchester, lá <strong>em</strong>baixo,<br />
naquelas bonitas cabines da popa, <strong>de</strong> que tanto se orgu-