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O Natal da Margarida e da Constança - Pegada-de-papel

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Conto <strong>de</strong> <strong>Natal</strong><br />

Era noite <strong>de</strong> <strong>Natal</strong>. Tinha acabado <strong>de</strong> chegar a casa dos meus pais. As crianças brincavam, correndo pela<br />

casa, e os tios, primos e avós preparavam a mesa. Todos corriam <strong>de</strong> um lado para o outro, transportando consigo<br />

pratos, copos, talheres e, no meio <strong>de</strong> mesa, figurava um belíssimo peru acabado <strong>de</strong> cozinhar. Todos estavam felizes.<br />

Todos… menos eu.<br />

– Queri<strong>da</strong>, estás bem? Pareces-me um pouco em baixo… – disse o Bernardo, beijando- -me.<br />

– Não, é só impressão tua – respondi.<br />

– Bom, está bem. Se não me queres contar… – e afastou-se, sorrindo.<br />

Mas eu sabia tão bem como ele que não estava tudo bem. Eu sabia que havia um vazio em mim, uma certa<br />

tristeza. E, no entanto, tentava mostrar-me alegre, só para não ver o meu marido sofrer. Ele era uma óptima pessoa.<br />

Era maravilhoso, muito simpático e atencioso. Mas eu não o amava. Nunca o amara e há muito que o sabia. O único<br />

homem que eu alguma vez amara <strong>de</strong>saparecera <strong>da</strong> minha vi<strong>da</strong> há muitos anos atrás… No entanto, não queria<br />

magoar o Bernardo. Ele era uma excelente pessoa, não o merecia.<br />

Subi as esca<strong>da</strong>s e dirigi-me ao sótão. Abri a porta, fazendo-a ranger, e entrei <strong>de</strong>vagarinho. Cheguei-me ao pé<br />

do poeirento baú que estava encostado à pare<strong>de</strong> e abri-o. De lá <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro, tirei um álbum <strong>de</strong> fotografias que pousei<br />

cui<strong>da</strong>dosamente no colo e comecei a folhear. Ao olhar para as fotografias, uma lágrima escorreu pela minha face.<br />

Oh, como tinha sau<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>da</strong>queles tempos! Como tinha sau<strong>da</strong><strong>de</strong>s do Rui! O único homem que alguma vez amara<br />

não passava agora <strong>de</strong> meras memórias. Quantas vezes o avisei que não fosse para aquele campo <strong>de</strong> refugiados, que<br />

era perigoso. Mas ele insistia. Era muito generoso e na<strong>da</strong> do que eu dissesse o impediria <strong>de</strong> ir aju<strong>da</strong>r os refugiados<br />

<strong>de</strong> guerra. E, apesar <strong>da</strong>s minhas insistências, ele partiu para o campo <strong>de</strong> refugiados e aí… acabou por morrer.<br />

– Filha, o que fazes aqui? – perguntou a minha mãe, entrando no sótão.<br />

– Estou a… recor<strong>da</strong>r o passado.<br />

– Minha filha, o Rui morreu há mais <strong>de</strong> vinte anos… Já <strong>de</strong>vias ter ultrapassado essa tua paixãozinha<br />

adolescente.<br />

– Não era uma paixãozinha adolescente, mãe! Eu amava-o! Amava-o tanto…<br />

– Sabes, queri<strong>da</strong>, acho que chegou a hora <strong>de</strong> te contar a ver<strong>da</strong><strong>de</strong> – disse, ajoelhando-se a meu lado.<br />

– Ver<strong>da</strong><strong>de</strong>? Mas que ver<strong>da</strong><strong>de</strong>? Que estás a dizer?<br />

– O Rui… O Rui não morreu, filha. Naquela noite <strong>de</strong> <strong>Natal</strong>, quando saíste para ir comprar qualquer coisa com<br />

a tua irmã, não vieram anunciar a sua morte. Ele mesmo veio cá, dizendo que voltara para ti.<br />

– O quê? - disse eu, chorando. – Ele não morreu?<br />

– Não, ele esteve vivo este tempo todo… Mas eu não te disse na<strong>da</strong> porque achava que ele não era o teu<br />

gran<strong>de</strong> amor…<br />

– E quem te <strong>de</strong>u o direito <strong>de</strong> teres controlo sobre a minha vi<strong>da</strong>? Todos estes anos a chorar a sua morte…<br />

Todos estes anos a suportar esta vi<strong>da</strong> miserável…<br />

– Mas tu tens uma vi<strong>da</strong> perfeita! Tens um marido que te ama, duas filhas lin<strong>da</strong>s, uma casa belíssima…<br />

– Mas eu não amo o Bernardo, mãe! Não o amo e nunca o amei! E pensar que a minha vi<strong>da</strong> po<strong>de</strong>ria ser bem<br />

melhor agora se… se não fosses tu! – disse, chorando. – E o que é feito <strong>de</strong>le agora? Sabes on<strong>de</strong> está?

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