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Para Mim Não Serve! /181<br />
irrompeu um dia, na Ida<strong>de</strong> Média, nessa pe<strong>que</strong>na cida<strong>de</strong>. Foi horrível!<br />
Os sinos tocavam dia e noite. As pessoas clamavam a Deus, implorando<br />
a sua ajuda, mas nada acontecia. A peste atacava cada vez com mais<br />
força.<br />
Os moradores da cida<strong>de</strong> estavam muito <strong>de</strong>sanimados e diziam uns<br />
aos outros: «Deus morreu.» Então atiraram ao ar com toda a compostura.<br />
Os barris foram tirados das a<strong>de</strong>gas e toda a gente começou a beber<br />
quanto <strong>que</strong>ria. Não <strong>de</strong>morou muito <strong>que</strong> homens e mulheres<br />
embriagados fossem vistos aos pares a praticar o acto sexual, sem se<br />
preocuparem minimamente sobre <strong>que</strong>m seria o seu par. Aquilo<br />
<strong>de</strong>generou numa verda<strong>de</strong>ira orgia—uma orgia <strong>de</strong> <strong>de</strong>sespero. Durante<br />
dias e dias nada mais contou senão obe<strong>de</strong>cer aos próprios instintos.<br />
Por vezes, mesmo no meio duma dança, alguém caía, vítima da<br />
doença; mas ninguém parecia notar. A orgia continuava... «Comamos,<br />
bebamos e folguemos, pois amanhã morreremos!»<br />
Um dia, <strong>por</strong>ém, toda a gente parou subitamente. À distância<br />
podiam ouvir-se cânticos. Todos correram para as <strong>por</strong>tas da cida<strong>de</strong>.<br />
Viram então, com gran<strong>de</strong> surpresa, uma procissão <strong>de</strong> penitentes <strong>que</strong><br />
subiam a encosta para a cida<strong>de</strong>. À medida <strong>que</strong> subiam o monte, iam<br />
cantando uma litania, «Kirie eleison—Senhor, tem pieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> nós.»<br />
À frente da procissão ia um jovem monge <strong>que</strong> carregava uma pesada<br />
cruz <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira. O cortejo chegou finalmente às <strong>por</strong>tas da cida<strong>de</strong>, mas<br />
os habitantes <strong>de</strong> Bérgamo puseram-se a rir: «Que bando <strong>de</strong> idiotas!»<br />
— gritaram eles. «Aqui, Deus morreu. Acabem com essa cantoria<br />
estúpida! Deus morreu! Venham juntar-se anos. Comamos, bebamos<br />
e folguemos, pois amanhã morreremos!»<br />
O monge <strong>que</strong> dirigia a procissão não ligou e continuou a andar.<br />
Embora ninguém tivesse entrado na igreja há dias, as <strong>por</strong>tas estavam<br />
bem abertas. A procissão penetrou na igreja. O monge encostou a cruz<br />
a uma das colunas. Então, o bando selvagem e frenético <strong>de</strong> pessoas<br />
<strong>de</strong>sesperadas e con<strong>de</strong>nadas à morte correu para a igreja com gritos e<br />
gargalhadas. Um aprendiz <strong>de</strong> talhante, <strong>que</strong> usava um avental manchado<br />
<strong>de</strong> sangue, completamente <strong>de</strong>sesperado e fora <strong>de</strong> si, dirigiu-se para o<br />
altar. Agarrando um cálice dourado, levantou-o e gritou. «Bebamos<br />
e embebedamo-nos, pois, aqui, Deus morreu.»<br />
Entretanto, o monge tinha-se dirigido para o púlpito. Estava muito<br />
pálido, mas fez sinal à multidão para esta se calar. Fez-se silêncio. Ele<br />
começou então a falar: «Quero dizer-lhes uma coisa: Quando<br />
crucificaram o Filho <strong>de</strong> Deus na cruz e lhe cravaram as mãos, todos<br />
lá começaram a rir-se <strong>de</strong>le, provocando-o e ridicularizando-o. Mesmo