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REGINA LÚCIA GONÇALVES PEREIRA SILVESTRINI Da paixão ao ...

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Na litografia seguinte, Matisse apresenta mais um rosto de Mariana. Apoiando-se na<br />

mão espalmada, expressa uma imensa tristeza nos olhos baixos e cismadores como os de<br />

quem procura um caminho, uma luz, ou uma explicação. A dor e as lembranças ainda<br />

persistem em seu coração e, muitas vezes, transformam-se em revolta pelo comportamento<br />

detestável de Chamilly. O texto da carta configura a grande preocupação de Mariana:<br />

Detesto a tua franqueza. Pedi-lhe eu para me dizer pura e simplesmente<br />

a verdade? Porque me não deixou com a minha <strong>paixão</strong>? Bastava não me<br />

ter escrito: eu não procurava ser esclarecida. Não me chegava a<br />

desgraça de não ter conseguido de si o cuidado de me iludir? Era<br />

preciso não lhe poder perdoar? Saiba que acabei por ver quanto é<br />

indigno dos meus sentimentos; conheço agora todas as suas detestáveis<br />

qualidades.<br />

Não se meta, pois, no meu caminho; destruiria, sem dúvida, todos os<br />

meus projectos, fosse qual fosse a maneira por que se intrometesse. Não<br />

me interessa saber o resultado desta carta; não perturbe o estado para<br />

que me estou preparando. Parece-me que pode estar satisfeito com o<br />

mal que me causa, qualquer que fosse a sua intenção de me desgraçar.<br />

A imagem se completa com o trecho da carta: Je vous promets en ne vous point<br />

layer 28 , no qual Mariana procura esclarecer que mesmo depois de ter “destruído” sua vida,<br />

ela não conseguiria odiá-lo.<br />

Essa decisão inspira Matisse a construir outra face que completa a<br />

visão do sofrimento da imagem anterior. Enfatiza a dificuldade para<br />

tomar a decisão, agora definitiva. Fato que desfigura o seu rosto, mais<br />

magro, o nariz adunco e os lábios cerrados, destacando-se os olhos<br />

perdidos e vidrados. Reflete um estado de espírito abatido e<br />

mortificado pelas lágrimas e sofrimento até aqui revelados. Deveria<br />

transpor esse período pleno de dúvidas, questionamentos e rancor para compreender (e<br />

aceitar) o comportamento de seu amado. Mesmo diante de tudo o que ainda questiona, as<br />

palavras são de perdão: Je cherches dans ce moment’s vous excuser 29 , ela o desculpa. O<br />

perdão é um ato sublime e, em nome desse amor, ele supera o desejo de vingança:<br />

Procuro neste momento desculpá-lo, e sei que uma freira raramente<br />

inspira amor; (...) forçoso me é confessar que tenho razões para o odiar<br />

mortalmente (...) reconheço que me preocupo ainda muito com as minhas<br />

queixas e a sua infidelidade, mas lembre-se que a mim própria prometi um<br />

estado mais tranqüilo, que espero atingir (...)<br />

28 Tradução segundo Eugênio de Andrade: Prometo-lhe não o ficar a odiar.<br />

29 Tradução segundo Eugênio de Andrade: Procuro neste momento desculpá-lo.<br />

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