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REGINA LÚCIA GONÇALVES PEREIRA SILVESTRINI Da paixão ao ...

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Diante desses questionamentos, sente pena de si mesma: “... como vê, reconheço<br />

que podia ser ainda mais digna de piedade do que sou”. Mas a decisão está tomada: “Mas<br />

não quero sabê-lo! Já lhe pedi, e volto a suplicar-lho, para não me escrever mais”.<br />

Completa a imagem a frase: Je croys que je ne vous souhaite 31 , reportando <strong>ao</strong> sofrimento,<br />

os momentos de amor e ira, o arrependimento e, finalmente, o perdão.<br />

Muito tempo vivi num abandono e numa idolatria que me horrorizam, e o<br />

remorso perseguem-me com uma crueldade insuportável. Sinto uma<br />

vergonha enorme dos crimes que me levou a cometer; já não tenho, pobre<br />

de mim!, a <strong>paixão</strong> que me impedia de conhecer-lhes a monstruosidade.<br />

Quando deixará o meu coração de ser dilacerado? Quando é que me<br />

livrarei deste cruel perturbação? Apesar de tudo, creio que não lhe desejo<br />

nenhum mal, e talvez me não importasse que fosse feliz.<br />

A última litografia que ilustra a quinta carta, anexo AF, representa essa mulher<br />

decidida e pura de coração. Na leitura de Matisse é o momento de desenhar um rosto mais<br />

cheio, expressando tranqüilidade. Essa Mariana de rosto bem delineado possui olhos mais<br />

confiantes e lábios que expressam firmeza pela decisão tomada. A frase Je prendai contre<br />

moi... 32 corrobora a confiança e o reconhecimento do erro cometido, mas que resultou na<br />

força de uma decisão: “prometi um estado mais tranqüilo, que espero atingir”.<br />

Reconheço que me preocupo ainda muito com as minha queixas e a sua<br />

infidelidade, mas lembre-se que a mim própria prometi um estado mais<br />

tranqüilo, que espero atingir, ou então tomarei uma resolução extrema,<br />

que virá a conhecer sem grande desgosto. De si nada mais quero. Sou<br />

uma doida, passo o tempo a dizer a mesma coisa. É preciso deixá-lo e não<br />

pensar mais em si. Creio mesmo que não voltarei a escrever-lhe. Que<br />

obrigação tenho eu de lhe dar conta de todos os meus sentimentos?<br />

De acordo com Iser (1999) o não-dito é uma forma conduzir o leitor para dentro do<br />

texto e imaginar o significado de algo que já foi dito, mas que foi sucedido por um lugar<br />

vazio, o qual dá margem para a inferência de uma leitura por detrás das palavras. Matisse,<br />

leitor das cartas, criou rostos e vinhetas que se identificaram com os aspectos de uma<br />

experiência vivida por uma mulher apaixonada, numa perfeita interação entre texto e leitor.<br />

A arte, segundo Iser (1999), se apresenta com graus de complexidade, dificultando a<br />

interpretação e representação do leitor. Este, por sua vez, sente-se impulsionado a<br />

31 Tradução segundo Eugênio de Andrade: creio que não lhe desejo nenhum mal<br />

32 Idem: a mim própria<br />

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