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Antropologia E Patrimônio Cultural - ABA

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MANUEL FERREIRA LIMA FILHO, CORNELIA ECKERT, JANE FELIPE BELTRÃO (Organizadores)<br />

Com o rio, foram-se os “objetos biográficos”, representação da<br />

experiência vivida, componentes da ambiência da casa. Segundo Bosi<br />

(1983: 360), “mais do que um sentimento estético ou de utilidade, os<br />

objetos nos dão um assentimento à nossa posição no mundo, à nossa<br />

identidade”. A ambiência desfigurada provoca um sentimento de dor,<br />

ausência dos objetos através dos quais<br />

[...] o ser disperso se identifica com a situação original e ideal<br />

do embrião, involui para a situação microscópica e central do<br />

ser antes do seu nascimento. Estes objetos fetichizados, pois,<br />

não são nem acessórios nem simplesmente signos culturais<br />

entre os outros: simbolizam uma transcendência interior, o<br />

fantasma de um núcleo de realidade de que vive toda a<br />

consciência mitológica e individual […]. Ilhas e lendas, tais<br />

objetos devolvem para aquém do tempo, o homem a sua<br />

infância, quando não a uma anterioridade mais profunda ainda,<br />

a de um pré-nascimento em que a subjetividade e em que esta<br />

ambiência é tão somente o discurso do ser para consigo mesmo<br />

(BAUDRILLARD, 1993:. 87-88).<br />

Se membros de família tradicional se lamentavam pelos móveis,<br />

jóias e fotografias, outros, mais humildes, habitantes dos becos, tinham<br />

outras lamentações, outros medos. Uma das vítimas da enchente,<br />

moradora do Beco Vila Rica, cuidava do pai que vivia acamado. Ela<br />

fugiu das águas do rio com o pai no colo para a casa da vizinha, e, por<br />

ter sido esta também atingida pela enchente, correu para a casa da<br />

mãe da vizinha, que também encheu com as águas; e ela foi, então,<br />

para a escola na qual é professora, e lá permaneceu. Perguntei o que<br />

mais ela temeu perder<br />

Eu acho que o meu medo maior na enchente foi que a água levasse o<br />

meu pai… esse foi o medo maior… […]. E toda hora vinha na<br />

minha cabeça que o meu pai estava lá [choro]. Parece que eu não<br />

tinha conseguido tirar ele sabe? Aí eu ia sempre no salão [da escola]<br />

que eu tinha colocado ele pra ver se ele tava lá, porque parece que eu<br />

ficava enxergando ele naquela cama. Aí, passando uma semana, parece<br />

que eu tinha a sensação que a água estava atrás de mim. Eu vendo o<br />

meu marido correr como meu pai e a água parece que estava pegando<br />

a gente! 37<br />

37 Entrevista concedida à autora em fevereiro de 2002.<br />

216

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