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114 Revista Brasileira de Literatura Compara<strong>da</strong>, n.9, 2006<br />
pelo sexo feminino, chegando a não encará-las, é comparado ao<br />
frígio Montano, no que tange a restrições impostas à aparência<br />
física <strong>da</strong>s mulheres, proibi<strong>da</strong>s de se cui<strong>da</strong>rem. Já os seguidores, a<br />
uma "farândola de vencidos <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, gente ínfima e suspeita, avessa<br />
ao trabalho, heróis <strong>da</strong> faca" (CUNHA, 1993, p.120).<br />
O relato do capuchinho enfatiza haver no arraial uma multidão<br />
de seres esquálidos, ca<strong>da</strong>véricos, amontoados em cabanas de<br />
barro e palha, além de armados até os dentes "para proteger o<br />
Conselheiro, que as autori<strong>da</strong>des tinham tentado matar antes"<br />
(V ARGAS LLOSA, 1987 ,p.57). O padre assegurava ter visto em<br />
Canudos facínoras perigosos, mencionando para Galileu o nome<br />
de João Satã, um dos tenentes do Conselheiro. Tal constatação<br />
estarrecera o religioso que, em missão ao lugar, interpelou o próprio<br />
bandido sobre a existência de delinqüentes numa aldeia que<br />
se diz cristã. O padre recebeu como resposta que o desejo do<br />
Conselheiro era o de fazê-los homens bons e que se algum dia roubaram<br />
ou mataram foi pela condição em que viviam. Se fossem<br />
banidos <strong>da</strong>li cometeriam novos crimes. Além disso, entendiam a<br />
cari<strong>da</strong>de do chefe como a que Cristo praticara. A declaração entusiasma<br />
o anarquista, que a ela se refere em carta endereça<strong>da</strong> a revolucionários<br />
europeus: "Essas frases, companheiros, coincidem com a<br />
filosofia <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de" (VARGAS LLOSA, 1987, p. 57).<br />
A novela de Llosa, portanto, desenha uma geografia <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de<br />
e <strong>da</strong> fartura, sedimenta<strong>da</strong> no mito de um espaço utópico,<br />
criado literariamente com esse nome por Morus e, de certa forma,<br />
materializado em Canudos por seus habitantes, pois respeitavam<br />
o direito do outro e os bens coletivos. O arraial é enfocado como<br />
um lugar de paz, abençoado, recebendo os seguidores o mesmo<br />
tratamento que Jesus Cristo dispensara a seus fiéis, sugerindo a<br />
aproximação do Conselheiro com o Filho de Deus. Com isso, a<br />
narrativa desenha a figura do líder como um protetor, um salvador<br />
- um soter - levando sua palavra a fim de redimir não apenas<br />
os sofrimentos materiais, a miséria, mas o crime, o pecado. Se em<br />
A guerra do fim do mundo, Canudos aparece como terra de acolhi<strong>da</strong><br />
e aperfeiçoamento espirituais, incrusta<strong>da</strong> numa geografia protetora,<br />
salvática e sobretudo revolucionária, onde o chefe legislava<br />
em leis fun<strong>da</strong>menta<strong>da</strong>s no ius profano e no fas divino, em Os<br />
sertões, a socie<strong>da</strong>de foi interpreta<strong>da</strong> como bastante negativa. Gall<br />
engrandece os seguidores, comenta que as pessoas de Canudos