download da revista completa (pdf - 10.778 Kb) - Abralic
download da revista completa (pdf - 10.778 Kb) - Abralic
download da revista completa (pdf - 10.778 Kb) - Abralic
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
Narrar ou perecer: Sérgio Sant' Anna e Ricardo Piglia, sobrevi ventes<br />
267<br />
o investigador e o escritor é o criminoso", o que o leva a pensar o<br />
romance policial como "a grande forma ficcional <strong>da</strong> crítica literá-<br />
36 PIGLIA, 1994, p.72. ria"36 Neste "crime delicado", a própria identi<strong>da</strong>de indecisa do<br />
narrador-crítico, manifesta<strong>da</strong> em sua escrita confessional e sinuosa,<br />
coleciona os atributos. Ele será tanto o detetive que investiga,<br />
quanto o criminoso que escreve.<br />
Não é por outro motivo que, apesar <strong>da</strong> absolvição judicial,<br />
37SANT'ANNA,1997,p.27. na "investigação interna"3 que se auto-impõe, Antonio Martins<br />
conclui pela própria culpa, "uma culpa visceral e atávica, um ver-<br />
]R Ibidem, p.118. <strong>da</strong>deiro pecado originaPS ". Com mal disfarçado prazer, o narrador<br />
assume, não só a imputação de "estuprador <strong>da</strong> arte", como tam-<br />
39Ibidem,p.l31. bém ajornalística caricatura de "vampiro" que lhe fazem39 .<br />
E mais, como bom personagem de romance noir, ain<strong>da</strong> se-<br />
4°PIGLIA, 1994, p 78. gundo a lógica aponta<strong>da</strong> por Piglia 40 , o narrador-detetive, quanto<br />
mais investiga, mais crimes produz. É assim que, despedindo-se<br />
dos leitores, não se peja em confessar a ativa participação que<br />
passa a ter na instalação itinerante e então, internacionalmente<br />
famosa de Brancatti, considera<strong>da</strong> pelo próprio crítico como "vul-<br />
41 SANT'ANNA,1997,p.1l8 gari<strong>da</strong>de \'oyeurística"41 .<br />
Aos desavisados informo que à entra<strong>da</strong> <strong>da</strong> instalação itinerante<br />
de Vitório nunca se deixa <strong>da</strong> afixar cópias do material de imprensa<br />
sobre o caso Inês, com traduções para o alemão, o inglês<br />
e o francês. Desses recortes, naturalmente, além dos retratos<br />
do artista e sua modelo, constam alguns deste crítico, inclusive<br />
a foto que o capturou no instante em que contemplava a<br />
pintura de Brancatti em Os Divergentes. E também a caricatu-<br />
42 Ibidem. ra do crítico enquanto vampiro 42 •<br />
De um lado, ambivalente e sinuosa, a máquina de Antonio<br />
Martins, ao contrário <strong>da</strong> de Macedônio, no romance de Piglia,<br />
procura esquecer o desalento diante <strong>da</strong> constatação de que:<br />
43 PIGLIA, 1997, p.l14.<br />
Um relato não é outra coisa senão a reprodução <strong>da</strong> ordem do<br />
mundo numa escala puramente verbal. Uma réplica <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>,<br />
caso a vi<strong>da</strong> fosse só feita de palavras. Mas a vi<strong>da</strong> não é feita só<br />
de palavras, infelizmente também é feita de corpos, ou seja,<br />
dizia, Macedonio, de doença, de dor e de morte 43 .<br />
De outro, pelo brilho retórico, ou ain<strong>da</strong> pelo verniz de cinis-