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314 Revista Brasileira de Literatura Compara<strong>da</strong>, n.9, 2006<br />
A sombra por Xíxi e Bebeca projeta<strong>da</strong>, como a do sapesape,<br />
era "boa, fresca, parecia era água de muringue" (idem). Por<br />
isso mesmo, as duas vavós são peças importantes na organização<br />
dos seus espaços do viver nos quais representam e defendem as<br />
leis <strong>da</strong>s autori<strong>da</strong>des locais, em detrimento <strong>da</strong>s estabeleci<strong>da</strong>s pelo<br />
poder branco vigente. De outra parte, são os cimentos <strong>da</strong> argamassa<br />
discursiva formadora do edifício <strong>da</strong> própria textuali<strong>da</strong>de,<br />
organiza<strong>da</strong>, ela também, como um exercício <strong>da</strong> sabedoria mais<br />
velha de Luandino Vieira, seu criador.<br />
Por outro lado, Vavó Xíxi e Dona Bebeca são a possibili<strong>da</strong>de<br />
de instauração de um futuro, cuja marca pode ser encontra<strong>da</strong><br />
em seus risonhos e gozonos rostos. Elas são o ovo onde a vi<strong>da</strong><br />
igualmente se guar<strong>da</strong>, como na castanha de caju. Enquanto esta<br />
se gera, rebenta e reproduz dentro do ventre <strong>da</strong> terra, o ovo o faz,<br />
ora dentro de Cabíri, a "humana" galinha também protagonista<br />
dos casos, amiga dos miúdos Beto e Xico, ora dentro do útero de<br />
Bina, cujo corpo de mulher é o duplo explícito <strong>da</strong>quela mesma<br />
terra. Xíxi e Bebeca, empenha<strong>da</strong>s na manutenção do fio <strong>da</strong> vi<strong>da</strong><br />
nunca partido, carregam dentro de si a teimosia <strong>da</strong> castanha, a<br />
coragem do sape-sape e a força simbólica do ovo.<br />
Não por acaso, a descoberta do grande ovo carregado por<br />
Bina é feita por Xico, uma <strong>da</strong>quelas crianças a quem caberá buscar,<br />
africanamente, o futuro, como ensina o missosso antigo e<br />
reensina Dario de Melo na moderni<strong>da</strong>de de seu conto renovador<br />
do texto dos antigamentes - Quem vai buscar o futuro (1986).<br />
Vavó Bebeca, por sua vez, como alguém que traz em si o<br />
"ovo" <strong>da</strong> esperança e fé na vi<strong>da</strong>, sorrindo, no quase fechar-se <strong>da</strong><br />
narrativa e "segurando o ovo na mão dela, seca e cheia de riscos<br />
dos anos, o entregou para Bina", respeitosamente perguntando à<br />
dona <strong>da</strong> galinha "- Posso, Zefa ... ". Nesse momento, o leitor vê<br />
os "olhos admirados e monandengues de miúdo Xico" fazerem a<br />
grande descoberta, ou seja, que "a barriga redon<strong>da</strong> e rija de nga<br />
Bina, debaixo do vestido, parecia era um ovo grande, grande ... "<br />
Cp. 123). Eis o ovo <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, pois, a mostrar-se como outro fio<br />
jamais partido.<br />
Os três contos de Luuan<strong>da</strong> funcionam metaforicamente<br />
como uma espécie de rito de iniciação pelo qual os neófitos leitores,<br />
sobretudo se não angolanos, como no presente caso, ingressam<br />
nos segredos e mistérios comunitários. Tais segredos e misté-