download da revista completa (pdf - 10.778 Kb) - Abralic
download da revista completa (pdf - 10.778 Kb) - Abralic
download da revista completa (pdf - 10.778 Kb) - Abralic
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
316 Revista Brasileira de Literatura Compara<strong>da</strong>, n.9, 2006<br />
mostrado como um mais novo no corpo <strong>da</strong> estória. O importante,<br />
e Jacinto reforça isso, é não se dobrar frente aos obstáculos interpostos<br />
entre o sujeito e seus sonhos, <strong>da</strong>í a necessi<strong>da</strong>de de se manter<br />
acesa a chama <strong>da</strong> esperança.<br />
Também a chuva devastadora, nos passos <strong>da</strong> trajetória<br />
iniciática dos três contos de Luuan<strong>da</strong>, a exemplo do que ocorre<br />
no de Jacinto, cessa. No segundo deles, tal chuva se transforma<br />
em "chuva de cacimbo" (p. 82), a entrar pelas janelas <strong>da</strong> prisão de<br />
modo suave e fresco. Por sua vez, o vento deixa de ser uma ameaça,<br />
para transformar-se em "vento frio do cacimbo [que] corria<br />
às gargalha<strong>da</strong>s, com os papéis pelo musseque fora" (p. 76). No<br />
último conto, de modo amigo e apaziguado, esse mesmo vento<br />
ressurge "a soprar devagar as folhas <strong>da</strong>s mandioqueiras" e igualmente<br />
"devagar e cheio de cui<strong>da</strong>dos e amizade, [ ... ] o vestido<br />
gasto [de Bina] contra o corpo novo" (pp. 123 - 124).<br />
Enfim, a hora é de paz, pois o leitor já compreendeu. De<br />
certo modo iniciado, ele não teme mais a violência do primeiro<br />
vento. Acredita que a esperança, angolanamente, não se deixa<br />
morrer e a fome, a miséria, a privação perderão a força no momento<br />
<strong>da</strong> chega<strong>da</strong> do sol <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de. O espaço espremido e torto<br />
<strong>da</strong>s ruas e cubatas dos musseques, na geografia instigante do<br />
texto - Rangel, Sambizanga, Lixeira, Braga, São Paulo, Marçal,<br />
etc. -, a exemplo do cajueiro, não será destruído pela ordem erigi<strong>da</strong><br />
na Baixa, espaço somente referido no texto e entremostrado como<br />
despido <strong>da</strong>s cores <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> vivi<strong>da</strong> com alegria, não obstante to<strong>da</strong> a<br />
falta e privação.<br />
Os meninos, por sua vez, já sem suas fogueiras, ain<strong>da</strong> dispõem<br />
<strong>da</strong> sombra amiga <strong>da</strong>s velhas árvores e aprendem a linguagem<br />
<strong>da</strong>s gentes e dos bichos de sua terra. De nossa parte, nós,<br />
leitores, como eles, pelo menos no tempo histórico <strong>da</strong> enunciação<br />
do texto, entendemos ser possível sonhar, acreditando na veraci<strong>da</strong>de<br />
do vôo de uma galinha, cuja gordura não a impede de ir em<br />
busca do canto amigo de um companheiro a chamá-la. Picando e<br />
arranhando fundo os braços-grade <strong>da</strong> ordem outra, repressora por<br />
excelência, do venal sargento, Cabíri nos ensina que, pela resistência<br />
ao dominador, se pode voar "na direção do sol" Cp. 122).<br />
Hoje, quase cinqüenta anos depois do momento de escrita<br />
do texto (segundo conversa com Luandino), aprisionados nos braços-grade<br />
<strong>da</strong> globalização neoliberal, não podemos deixar de lem-