18Centrais17 | Dezembro | 2010, VUMAMA EMPRESAMPRESA, , VÁRIAS VGERAÇÕESO café mais antigo da freguesia de Santo Onofre temAduíno Coito com o pai Diamantino Couto (1914-1978) em frente ao café nos anoscinquentaÀ terceira foi de vez. No mundodos negócios nem sempre seacerta à primeira. DiamantinoCouto (1914-1978) instala-se em1935 no Bairro Além da Pontecom a mulher, Ema Pilar Leal(1923-2006) e arrenda uma casano Largo Frederico Ferreira PintoBastos (à época Largo daMina) para montar a sua barbearia.A coisa não resultou e cincoanos depois abre uma taberninhano mesmo espaço. Mas tabernasjá havia muitas nas <strong>Caldas</strong>e em 1945 Diamantino arriscatransformar o seu estabelecimentonum café.Para a época pareceu uma decisãoum pouco arrojada, mas averdade é que não havia nadado género naquilo que é hoje afreguesia de Sto. Onofre e o CaféBordalo acabou por se revelarum sucesso. O próprio nome foiescolhido num tempo em queRafael Bordalo Pinheiro não eraa figura tão conhecida e estudadacomo hoje. Resultou deuma coincidência: Zé do Coito,o pai do jovem barbeiro e agoradono de um café, tinha trabalhadona fábrica de faianças deBordalo e de lá trouxera um bustodo artista que ainda hoje figuranuma parede do café e queesteve na origem do seu nome.O casal Diamantino e Emaacabaram assim por se iniciarnuma actividade que hoje já vaina terceira geração. Ou na quarta,se considerarmos que os bisnetosJoão, de 13 anos, e a Joana,de sete, também já ajudama tirar uns cafés e a limpar asmesas no velho - mas já porduas vezes remodelado - CaféBordalo.Apesar do sucesso do café,Ema Pilar Leal, descendente deespanhóis e nascida justamenteem S. Bartolomeu dos Galegos(Lourinhã), trabalha nos balneáriosdo Hospital Termal eajuda o marido no negócio, substituindo-oquando este vai paraos treinos. Diamantino joga futebol.É jogador do SportingClub das <strong>Caldas</strong> e mais tarde do<strong>Caldas</strong> Sport Club, onde fez umacarreira que ainda hoje é recordada.Da esquerda para a direita: João, Aduíno Coito, Pilar Leal, Joana, Sandra Coito e Jorge Reis.E um dos cafés mais antigos das <strong>Caldas</strong> e foi o primeiro a abrir portas no Bairro Além da Ponte, em1945. O mesmo espaço já tinha sido barbearia e taberna, mas foi como café que chegou até ao séculoXXI ao longo de três gerações, ou até mesmo quatro, se considerarmos que os bisnetos do seufundador, Diamantino Couto, já ajudam as mães e o avô nas lides do balcão e das mesas.Aduíno Coito, filho de Diamantino tem hoje 70 anos e é o patriarca da família que nasceu e cresceuneste estabelecimento do Largo Frederico Ferreira Pinto Bastos. “Dantes só se vendiam copos deleite, garotos, pirolitos, gasosas e rebuçados. E meia dúzia de bolos. Hoje vendemos entre80 a 100 bolos por dia”, conta acerca dos hábitos de consumo de várias gerações de caldenses.Um avô, filhas, netos e genro representam três gerações que dão continuidade ao café Bordalo.Em 1940 nasce o único filho Centro Hospitalar, mas acabado casal. Aduíno Manuel Leal do por não concluir o curso Comercial.Coito, hoje com 70 anos, cresceno café que era também a sua“Por causa disso só fuicasa. Frequenta a escola primácabona tropa, quando poriana antiga Delegação Escolardia ter sido furriel”, diz AduínoCoito. Mas na altura já tra-(perto do actual Vivaci) e ainda“inaugura”, como aluno, a esbalhava,sentia-se na obrigaçãocola primária do Bairro da Ponte.Emergindo de uma famíliaremediada, não se fica pela 4ªclasse e prossegue os estudos,à noite, na Escola Industrial eComercial das <strong>Caldas</strong> da Rainha,no edifício que é hoje o doConselho de Administração dode ajudar os pais no café e tambémcomeçara a namorar cedo,aos 17 anos, com uma jovem caldense,Manuela Silvestre (1942-2002), com quem viria a casar. Ocomércio foi quase sempre a suaactividade: primeiro na loja deroupa de José Luís Campos (naPraça 5 de Outubro), depois naNobela (Rua das Montras), a seguirna Casa Ramiro e mais tarde,como administrativo, noHospital Termal, onde tambémtrabalhava a sua mãe.Até que em Janeiro de 1961 échamado para a tropa. Assentapraça em Castelo Branco e seismeses depois está a bordo doVera Cruz a caminho de Angola.“Andei debaixo de fogo, sim”,conta. Dezanove meses no matoem aquartelamentos frágeis,sujeitos a ataques e correndoriscos quando as colunas sofriamemboscadas. De Portugal,perdão, da Metrópole, chegamlhecartas da família e da namorada,muitas vezes acompanhadasde fotografias tiradasno Café Bordalo. Um conjuntode imagens que hoje constituium precioso espólio da família.Sobrevive e regressa em Novembrode 1963, fazendo o percursohabitual ao de milharesde jovens que, regressados datropa e da guerra, casam. Tro-Meio século separam estas fotos, tiradas do mesmo ângulo do café. Em 1959 o Bordalo possui uma das primeiras televisões das <strong>Caldas</strong> e o café enchia-se, sobretudo quandohavia futebol, filmes portugueses, teatro, Natal dos Hospitais, Festival da Cancão e as Misses. Hoje o futebol ainda leva muitos convivas ao café.
Centrais1917 | Dezembro | 201065 anos e reúne três gerações ao balcãocou alianças em 1965, mas já unsmeses antes começara a trabalharcom o futuro sogro, AntónioVerdiano Silvestre, que tinhauma loja de produtos alimentares(Vardasca & Veridiano,Lda) na Rua da Electricidade.A primeira filha, Maria Pilardo Coito, nasce em 1966 e a segunda,Sandra Cristina, em 1970.Manuela Silvestre reparte agoraas atenções do café e dos clientescom as filhas, que, talcomo o pai, crescem no CaféBordalo, em torno do qual gira ahistória da família.Em 1970 Aduíno muda de emprego.O sogro embarca numaaventura que consistiu em unirgrande parte dos armazéns deprodutos alimentares das <strong>Caldas</strong>numa só empresa, a Unical,que para isso constrói um pavilhãona Estrada da Tornada (hojeparcialmente aproveitado peloPingo Doce). O genro acompanha-ocomo empregado de escritóriodurante os 16 anos queo projecto dura.“Fui dos últimos a sair, to-dos deram à sola quandoaquilo começou a corrermal”, conta. A falência da empresa,em 1986, acaba por setransformar numa oportunidade.“Comecei a pensar em re-modelar isto e ganhar aquia minha vida e em boa horao fiz. Só tenho pena de não oter feito antes. Na verdadeeu nunca tinha gostado deser empregado de escritório.Preferi sempre o contactocom as pessoas”.NO CAFÉ A TEMPO INTEIROA primeira coisa que faz é umaremodelação total. O café dosanos quarenta dá origem a umestabelecimento moderno, comvitrines, mas mantendo, mesmoassim parte das mesas que o paide Aduíno tinha comprado aoCafé Nicola, em Lisboa. São mesaspesadas, de ferro e mármo-re, seguramente com mais de90 anos de existência e que estãopara durar outros tantos.Diamantino só viu o princípioda remodelação. Morre em 1987.Mas dir-se-ia que tinha esperadopela concretização de um velhosonho – ver o filho a tempointeiro à frente do Café Bordalo.A remodelação revelou-seuma aposta certa e Aduíno deuseconta que afinal aquele negóciodava para viver sem precisarde mais nenhuma emprego.“Ultrapassou todas asexpectativas”, conta.Nos finais da década de oitentaa cidade conhece um surtode forte construção e cresce(também) para o Bairro da Ponte.Durante algum tempo o Bordalofoi o único café do bairro.Hoje contam-se várias dezenasem toda aquela zona da cidade(bairros da Ponte e dos Arneiros),mas nada que afecte o cafémais antigo.Também os hábitos de consumomudaram. Aduíno diz que antigamentehavia poucas coisas“Mais do que uma profissão, trabalhar aqui é um modo de vida”para vender num café. “Vendiam-secopos de leite, garotos,pirolitos, gasosas, rebuçados.E meia dúzia de bo-los. Hoje vendemos entre 80a 100 bolos por dia”, conta.Durante décadas perdurou a velhamáquina de café de saco,que viria a ser substituída poroutra que necessitava de umaalavanca para tirar as bicas.Hoje o café expresso sai, quente,de uma moderna máquinaMercury.Fiel à tradição do que entendeser um café, o seu proprietáriovai resistindo a nele venderpão e mini-refeições, comoo fazem tantos outros. “O cafédeve funcionar como umcafé”, resume.Carlos Ciprianocc@gazetacaldas.comSandra Coito (40 anos) e PilarLeal (44 anos) são a terceirageração atrás do balcãodo Café Bordalo. As duas filhasde Aduíno e Manuela Silvestrecresceram e brincaramno estabelecimento dos avóse que posteriormente ficoupara os pais. Em frente, o LargoFrederico Ferreira PintoBastos ainda não tinha muitoscarros. A vizinhança eraconhecida e o Bairro da Ponteera naquele tempo ainda quasecomo uma aldeia dentro dacidade. Mas à medida quecresciam as duas irmãs encararamcom normalidade aajuda que era preciso dar aospais e cedo começaram a trabalharno café quando vinhamdas aulas e durante as férias.“É como o João e a Joana”,dizem, referindo-se aos filhos,que são os bisnetos deDiamantino Coito e que tambémjá vêem o café como umaextensão das suas casas.Em rigor só Sandra Coito e omarido, Jorge Reis, são actualmentefuncionários do CaféBordalo – Sociedade Unipessoal.É lá que passam a maiorparte do seu tempo – de manhã,à tarde e à noite – numnegócio familiar, cuja facturaçãopreferiram não revelar, eque prescinde de empregados.A irmã Pilar pertenceu à geraçãoque aproveitou a vinda doensino superior para as <strong>Caldas</strong>e foi no antigo pólo da UALque tirou Direito, exercendohoje advogacia. Mas nem porisso perdeu o vínculo ao caféda família e tem até uma escalade duas manhãs e duasnoites por semana, nas quaisdeixa no escritório as questõesjudiciais e vem para o cafémais antigo do Bairro da Ponteservir bicas e galões, tostas,sumos e bolos.A irmã mais nova, SandraCoito, não chegou a concluir alicenciatura em Gestão, foitrabalhar para a Futur Kids(uma escola de informáticacaldense já desaparecida),mas entendeu que se o CaféBordalo foi o ganha pão do seuavô e do seus pais, então tambémpoderia ser o dela e dafamília.“Mais do que uma profis-são, trabalhar aqui é ummodo de vida. Não há ho-rários, nem fins-de-semanacompletos nem tempo parair jantar fora. É vivermosaqui dentro”, diz Sandra. Ocafé só fecha ao domingo.As filhas do senhor Aduínoassistiram também a algumastransformações nos hábitosdos clientes do café. Dantes asala enchia-se ao serão até àhora do fecho, mas agora aspessoas já não passam tantotempo nestes espaços sociais.Tomam a bica, bebem umaágua ou uma cerveja e vão paracasa. Há alguns resistentes,que são quase da família. E hátambém as excepções – a televisãojá não é uma novidade,mas nas noites de futeboleste café de bairro enche-se.É que ver um jogo da selecçãoou um Sporting-Benfica emgrupo cria um ambiente maisfestivo e tem muito mais piadado que assistir à partida emcasa. “E as mulheres prefe-rem ver a telenovela”, acrescentaAduíno Coito, que conheceos hábitos e motivaçõesdos clientes.Curiosamente, o edifício nãoé pertença da família, tendo oentão jovem Diamantino acordadocom o proprietário, seuamigo, o pagamento de umarenda mensal. Naquele tempoCRONOLOGIAbastava a palavra dada para sercumprida e só em 1970 é quehá um documento escrito noqual Diamantino se comprometea pagar 500$00 de renda pormês. Sim, na moeda de hoje só2,5 euros. Mas actualmente arenda é de 57 euros. Aduíno reconheceque é barato e insisteque não perdeu a esperançade comprar o rés-de-chãoonde nasceu e onde viveu todaa família.C.C.1935 – Diamantino Couto abre uma barbearia no edifício que éhoje o nº 12 do Lg. Frederico Ferreira Bastos1940 – Muda de ramo. Converte a barbearia em taberna.1945 – Muda novamente de ramo e inaugura o Café Bordalo, oprimeiro da actual freguesia de Sto. Onofre1970 – Assinatura do primeiro documento de arrendamento noqual o dono do Café Bordalo paga 500 escudos (2,5 euros) derenda por mês ao proprietário1986 – O filho Aduino Coito pega formalmente no negócio dafamília1987 – Morre Diamantino Couto1987 – O Café Bordalo sofre uma remodelação2002 - Sandra Coito, neta de Diamantino, entra formalmentepara o Café Bordalo - Sociedade Unipessoal2008 - O marido Jorge Reis também entra para a empresaA imagem mais antiga do Café Bordalo nosanos 40À esquerda Manuela Silvestre, então namorada de Aduíno, com os futuros sogros, Diamantino e Ema Pilar Leal. Na imagem dadireita Manuela está sentada e os proprietários do café estão atrás do balcão.