16Centrais4 | Fevereiro | 2011, VUMAMA EMPRESAMPRESA, , VÁRIAS VGERAÇÕESJosé Soares de Oliveira & Filhos, Lda. – a arte do restJosé Soares de Oliveira (1901-1975), fundador daempresaFoi na Escola Comercial e Industrial(hoje Secundária RafaelBordalo Pinheiro), que JoséSoares de Oliveira aprendeu,ainda jovem, a desenhar e a talhara madeira. Mestre Elias foium dos professores do jovemcaldense que, com cerca de 21anos e regressado da tropa, decidiuque não queria seguir aspisadas do pai, que trabalhavana cerâmica.Nascido em 1901, o rapaz começoua trabalhar no mobiliáriocom pouco mais de 20 anos.Pouco tempo depois junta-se aLuís Pardal e decide criar umasociedade e levar o negócio maisa sério. A José Oliveira o queinteressava mesmo era o mobiliáriode linhas antigas, clássico.O colega, por sua vez, queriadedicar-se aos móveis contemporâneos.Os dois acabariam porse separar pouco tempo depois.É assim que José Soares deOliveira decide, em 1927, aventurar-sesozinho no mundo dosnegócios, com uma empresa emnome individual. Uma actividadedesenvolvida na Rua MiguelBombarda, no edifício onde aindahoje se mantém a loja daempresa e onde, naquela altura,se encontrava a oficina, a lojae a habitação da família. InácioConhecida pelo mobiliário de linhas clássicas e pelo restauro de móveis e talhas douradas dediversas igrejas, a firma José Soares de Oliveira & Filhos, Lda. nasceu em 1927. Na loja da Rua MiguelBombarda, nas <strong>Caldas</strong> da Rainha, as cadeiras, mesas e desenhos, entre muitas outras peças, sãoelementos de um passado em que a história da família se mistura com a história da empresa, hojeorientada por dois filhos, Inácio e Vasco, e um neto do seu fundador, José Heitor.À arte de trabalhar madeiras exóticas e de dar nova vida a artigos envelhecidos, juntam-se as memóriasdaquela que foi “uma verdadeira escola de marceneiros”. Uma casa de onde saíram mobíliaspara vários pontos do mundo e que tem resistido à evolução dos tempos e dos gostos.Oliveira, que há anos desenhaos móveis fabricados pela empresa,diz que “a maior pro-dução do Sr. José Soares deOliveira foi seis filhos”: Frederico,Adelino, Beatriz, Inácio,Vasco e José.Todos, como ‘manda a lei’,com uma média de dois anosentre si. “Não havia televisão,não havia planeamento fa-miliar”, diz, a rir, Inácio, hojeDa esquerda para a direita José Heitor, Inácio e Vasco, o neto e os dois filhos que dão continuidade à empresacriada em 1927com 76 anos. E todos eles passarampela empresa do pai.“Crescemos entre móveis”,conta. Com a habitação da família,onde chegou a nascer ofilho mais novo, mesmo em cimada oficina, não havia como ospetizes escaparem ao labor.Além disso, o pai tinha um tratocom eles: todos iriam estudarpara a Escola Comercial de dia.Caso perdessem o ano, iriamtrabalhar na mobília e estudarà noite, o que acabou por acontecercom muitos deles.Numa família de homens comuma actividade maioritariamentetalhada para homens, Beatriztalvez se tenha esquivado àmadeira, mas garante não terficado “a dever nada” ao trabalho.“Uma rapariga no meiode seis rapazes, o que é quese espera?”, lembra.O mesmo aconteceu com amãe. Dona Laurinda passoumuitas horas a fazer os abatjoursdos candeeiros que ali sefabricavam, exemplares quedurante anos puderam ser apreciados,por exemplo, na Casa daCultura, ou nos antigos Paçosdo Concelho caldenses. Empalharcadeiras era outra tarefada mãe. “Ninguém sabiacomo se fazia, mas apanhou-se aí uma cadeira, deram-seao trabalho de a desman-char toda para ver como erafeita e depois começou ela aempalhar”, conta a filha.Os trabalhadores, muitos dosquais iam para ali trabalhar aindacrianças eram também consideradosverdadeiros membrosda família de José Soares de Oliveira.Ainda hoje é conversa recorrenteo facto de um antigofuncionário da empresa, contarmuitas vezes que saiu da escolacom sete anos, poucos dias depoisdo pai o ter matriculado na1ª classe, e que foi naquela oficinaque aprendeu a ler e escrever,ensinado pela única filha dopatrão.Nas fotografias que testemunhamo passado da empresa, oslaços que uniam o patrão aostrabalhadores são facilmentecomprovados. Muitos dos retratossão de convívios que juntavamtodos à mesa. O neto, JoséHeitor, que aparece ainda jovemem muitos deles, lembra-sebem que o 1º de Maio, Dia doTrabalhador, era sempre assinalado(mesmo antes do 25 de Abril)“à beira da Lagoa, com umacaldeirada feita ali mesmo”.E esta empresa de cariz verdadeiramentefamiliar deu tambémorigem a novas famílias.Um exemplo é a filha do patrão,Beatriz, que acabaria por se casarcom um empregado do pai.“UMA FUNDAÇÃO RICARDOESPÍRITO SANTO EMMINIATURA”É com memórias e com asautênticas relíquias que seamontoam na loja da Rua Mi-A família (José Soares de Oliveira é o terceiro a contar da esquerda) e ostrabalhadores da empresa, em 1942, nas instalações da Rua Miguel Bombarda, onde seencontrava a habitação, a oficina e a lojaJosé Soares de Oliveira (ao centro, de chapéu) no meio de toda a família (filhos enetos) em 1964
Centrais174 | Fevereiro | 2011auro e do mobiliário antigo desde 1927guel Bombarda que se recuperaa história daquela que Inácio eJosé Heitor garantem ser umadas mais antigas empresas das<strong>Caldas</strong>. Uma firma que “foi sem-pre uma escola, que formoucentenas de marceneiros eartistas, que vinham paraaqui aprender ainda miú-dos”.O restauro foi sempre umaimportante vertente da empresa,responsável pela recuperaçãoda talha dourada que aindahoje se vê em muitos altares devárias igrejas da região. JoséSoares de Oliveira dedicava-setambém à recuperação de móveisantigos. “Sem falsas mo-déstias, somos capazes deser uma Fundação RicardoEspírito Santo em miniatura.Somos capazes de fazer oque eles fazem, sem subsídiosnenhuns, antes pelo con-trário”, diz, orgulhoso, JoséHeitor.O trabalho de restauro trouxeà empresa caldense algunsdos mais requintados exemplaresde mobiliário clássico. “Ogrande ensinamento destacasa foram as peças antigasque passaram por aqui paraserem recuperadas e quenos deram uma grande liçãode arte e de estilos”, afiançaInácio. Peças de pessoas ligadasà nobreza e às grandes famíliasque permitiram à empresaficar com os modelos parareproduzir.“Muitas das grandes ca-sas no Alentejo têm móveisnossos ou recuperados pornós”, dizem Inácio e José Heitor,acrescentando que a maiorparte dos clientes da empresa sesituavam, principalmente, em Lisboa.Os descendentes de JoséSoares de Oliveira garantem que“esta firma era motivo de trazermuita gente às <strong>Caldas</strong>. Vi-nha muita gente de fora cá,que”, invariavelmente, “almoçavapor aí, ia ao mercado e de-pois à Pastelaria Machado”.À medida que o passa palavratorna a empresa numa referênciae a procura aumenta, asinstalações da Miguel Bombardatornam-se pequenas e a oficinaé mudada para junto dosprédios do Viola, na Rua Fonte doPinheiro o que aconteceu em meadosda década de 60. Na Rua MiguelBombarda mantém-se a loja.Em 1969 foi dada sociedade aosfilhos, criando-se a José Soares deOliveira & Filhos, Lda. Seis anosdepois o fundador da empresa viriaa falecer e foram os seus descendentesque garantiram a continuidadedo seu legado.Joana Fialhojfialho@gazetacaldas.comA José Soares de Oliveira &Filhos, Lda. sempre apostou emmobiliário “de qualidade”, feitocom madeiras exóticas. Maisque simples peças de mobiliário,dali saem verdadeiras obrasde arte, onde todos os pormenoressão cuidados. “Há aí umacama que fazemos que sópara embutir o painel sãoprecisos quatro meses”,aponta José Heitor, dando umexemplo da minúcia a que podemchegar os móveis da suaempresa.Ora, os clientes da empresasempre foram “pessoas comalgum poder de compra egosto”, entre os quais o destaquevai, nos tempos iniciais,para as famílias aristocráticas,depois para membros de diferentesgovernos, fosse em Portugal,fosse no Ultramar. Quandoo país aderiu à CEE (agoraResistir na época do “mobiliário de plástico”O edifício da Rua Miguel Bombarda resume-se hoje à loja da empresa, onde se multiplicam peças de mobiliário eferramentas a fazerem lembrar outros temposUnião Europeia), “muitos dosclientes foram trabalharpara Bruxelas e levaram da-qui muito mobiliário”, contaJosé Heitor, acrescentando queas peças da sua empresa podemainda ser encontradas em França,Espanha, Inglaterra, Canadá,Estados Unidos, antigas colóniase até em Macau.Por cá, eram muitas as vezesque José Soares de Oliveira, edepois os filhos, arrancavam demadrugada para Lisboa, “comuma garrafita de vinho e amerenda feita pela mãenuma caixa de madeira” e alipassavam o dia, a montar aspeças de mobiliário, regressandosó à noite.Desenhos originais de cadeiras clássicas, feitos por Inácio Oliveira a tinta da China,Nos tempos áureos da empre-que ainda hoje se preservam com todos os cuidadossa, contavam-se ali cerca de 60trabalhadores, muitos dos quaiscomeçavam a trabalhar aindamiúdos e por ali ficavam até àidade da reforma. As encomendaseram mais que muitas.“Chegámos a ter uma listade espera de 12 e 13 meses”,diz o neto do fundador, recordandoque os avós “correramo país a trabalhar, e semprena furgoneta da empresa”.Em meados da década de 90a José Soares de Oliveira & Filhos,Lda. viu-se mesmo obrigadaa mudar de novo de instalações,desta vez para a Zona Industrial.“Hoje os jovens aderiramà comida de plástico e tam-bém aos móveis de plástico.Hoje não se pensa na quali-dade, é dois ou três anos edeitar fora e é o IKEA que elesescolhem”, lamenta José Heitor,que diz que a empresa temsesentido em grande medidacom “a alteração de gostos ecomportamentos... são épo-cas!”.Por isso mesmo, nos temposque correm a empresa é sobretudoprocurada para o trabalhode restauro e recuperação. “Oschineses ainda não restau-ram móveis, o IKEA tambémnão, e ainda se vai recupe-rando”.A ARTE DO TRABALHO FEITOÀ MÃOMas se os tempos são outros,há muita coisa que se mantéminalterada na empresa, como ofacto de grande parte do trabalhoser feito à mão. Há uma serraeléctrica e mais algumas ferramentasque facilitam o labor,mas a atenção ao detalhe, aarte e o engenho necessáriosmantêm-se inalterados.A qualidade das madeirascom que se trabalha, vindas sobretudodo Brasil e de África,continua a ser uma garantiadada pela empresa. “Sempretivemos um stock muito bomde madeiras, nunca trabalhámosa madeira no imediatopara não haver problemas.Nesta empresa a ma-deira sempre esteve à chuvae ao ar livre durante um anoe só depois era trabalhada,para podermos dar garanti-as”, e foi isso que permitiu quea José Soares de Oliveira & Filhos,Lda. não sentisse grandedificuldade em encontrar matériasprimas quando alguns dosseus principais fornecedorescomeçaram a fechar. “Por enquantonão sentimos escas-sez, também precisamos demuito menos madeira que aque precisávamos há unsanos”, aponta José Heitor.A maioria dos clientes continuaa ser de Lisboa. “Filhos enetos de primeiros clientesque mantêm a ligação à casaou conhecidos destes quevêem as nossas peças”, explicao neto do fundador.A empresa, que nos últimosdois anos registou uma facturaçãomédia na ordem dos 120 mileuros, está hoje reduzida a setetrabalhadores, entre os quaisInácio, que se dedica especialmenteao desenho das peças demobiliário, Vasco, “um verda-deiro artista” a trabalhar amadeira, e José Heitor. “Isto étudo muito bonito, sentir acamisola é muito agradável”,diz o mais novo. E chega? “Nãovai chegando. O mercadoestá diferente, as exigênciassão muitas”, lamenta.À semelhança dos gerentes,muitos dos empregados que semantêm também ali estão hávários anos. Além disso, JoséHeitor foi o único neto a dar seguimentoàs pisadas do avô.“Nas férias todos passavampor aqui, mas ninguém fezdisto vida profissional”.Uma pergunta se impõe:quem vai dar continuidade àempresa? “Por enquanto nãose sabe”, diz, garantindo manter-seoptimista quanto ao futuro.Joana Fialhojfialho@gazetacaldas.com<strong>Cronologia</strong>1901: Nasce José Soaresde Oliveira, fundador da empresa1927: José Soares de Oliveiracomeça a trabalhar emnome individualDécada de 60: A produçãoda empresa muda-separa um terreno da família,junto aos prédios do Viola1969: O fundador dá sociedadeaos filhos e é criadaa José Soares de Oliveira &Filhos, Lda. com um capitalsocial de 98.766 euros1975: Morre José Soaresde Oliveira1995: A oficina é transferidapara as actuais instalaçõesna Zona Industrial