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INTRODUÇÃO<br />
“Nem todos morriam, mas estavam todos contaminados.” Poderíamos aplicar à crise de<br />
<strong>1929</strong> este verso de La Fontaine. Como a peste, de fato, a Grande <strong>Crise</strong> dos anos 1930 foi um<br />
flagelo cego e generalizado: raros são os países ou grupos sociais poupados, e os mais<br />
fechados muitas vezes foram os mais atingidos. O desastre não partira dos Estados Unidos, o<br />
novo gigante industrial do mundo da época, gigante cujas perspectivas de desenvolvimento<br />
pareciam ilimitadas? O desmoronamento dos negócios foi primeiro uma questão de números e<br />
especialistas; o crash da Bolsa de Nova York (em outubro de <strong>1929</strong>) foi acompanhado de<br />
longe pelo grande público, apesar dos suicídios de especuladores arruinados, atirando-se<br />
pelas janelas dos prédios de Manhattan, terem aparecido nas capas dos jornais. Enquanto se<br />
multiplicavam as falências e demissões, o pânico monetário e financeiro e as bancarrotas<br />
estatais, o primeiro plano da cena era ocupado por peritos governamentais e encontros<br />
diplomáticos. No entanto, pouco a pouco outra realidade foi se impondo: a de uma monstruosa<br />
desordem material e humana. Locomotivas brasileiras consumiam o café que não mais podia<br />
ser vendido nem mesmo a preços irrisórios, estoques se acumulavam, empresas fechavam suas<br />
portas; milhões de pessoas se viam sem emprego, portanto sem recursos e sem dignidade, na<br />
maioria das vezes sem proteção social, incapazes de pagar seus aluguéis, reduzidas à espera<br />
das distribuições gratuitas de alimentos e agasalhos, levadas ao despejo, à mendicidade, à<br />
revolta.<br />
Essa penúria absurda explica sem dúvida o fato de ainda termos por esse período<br />
verdadeira obsessão, consciente ou inconsciente, no mínimo igual à inspirada pela<br />
eventualidade de um novo conflito armado mundial. “Ela” poderia recomeçar? Esse pequeno<br />
livro não tem a intenção de responder a essa pergunta. Ele pretende, na verdade, especificar<br />
esse “ela” e rever com atenção as convulsões do capitalismo no século XX.<br />
Nos últimos anos, essa tarefa se tornou, em certo sentido, mais fácil: com o passar do<br />
tempo, os trabalhos especializados se multiplicaram, e o acúmulo de testemunhos e de<br />
análises no calor do momento é agora acompanhado por numerosos estudos históricoeconômicos<br />
fartamente documentados. É grande a tentação de examinar os acontecimentos à<br />
luz das contribuições recentes, que muitas vezes corrigem algum aspecto e apresentam em uma<br />
nudez objetiva e numérica o caso de <strong>1929</strong>. Essa decantação, indispensável, é apenas uma<br />
primeira etapa para o autor deste trabalho; primeiro, porque ela não permite resolver a<br />
controvérsia sobre as causas da catástrofe, controvérsia que continua viva ainda hoje;<br />
segundo, porque a discussão assim exposta seria curta demais. Ela deixaria de lado outras<br />
dimensões de irrefutável importância. A crise de <strong>1929</strong> tem elementos e significações<br />
políticas, sociais, psicológicas e culturais... Por trás do New <strong>De</strong>al de Roosevelt, da trágica<br />
ascensão do nazismo e das Frentes Populares, só para ficarmos na política, existe a afirmação<br />
de que um certo tipo de capitalismo faliu e de que uma barreira inadmissível foi transposta. O<br />
abalo foi não só material, mas também espiritual; sob esse ponto de vista, as contribuições dos<br />
testemunhos de época continuam sendo essenciais, principalmente em suas manifestações<br />
literárias e artísticas: relatos, fotos, filmes... Somente depois dessa exploração será possível<br />
fazer com propriedade a pergunta sobre as causas e a interpretação da Grande <strong>De</strong>pressão e