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A Crise De 1929 - Bernard Gazier

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encontrados pelo capitalismo resultante de Bretton Woods, na confluência de diversas<br />

disciplinas – história, economia e sociologia – e em diversas opções teóricas que combinam<br />

neomarxismo e elementos pós-keynesiaos, centrou-se no poder insuficiente das instituições<br />

que representavam os assalariados durante o entre-guerras.<br />

Ela parte de duas oposições simétricas. Primeiro, entre mais-valia absoluta e mais-valia<br />

relativa – conceitos de origem marxista que designam as duas maneiras capitalistas de<br />

administrar o trabalho operário. A primeira consiste em disponibilizar sobre-trabalho,<br />

prolongando o tempo da jornada de trabalho para além dos custos compensados pela<br />

reprodução operária. A segunda consiste, através de sacrifícios de produtividade, em baixar o<br />

valor daquilo que é necessário fornecer ao operário para ele viver. Com isso, dentro de certos<br />

limites, o crescimento da mais-valia é compatível com uma melhora das condições da vida<br />

operária. Essa “dobradinha” é encontrada na organização social do trabalho: de um lado, o<br />

taylorismo, racionalização do esforço operário com vistas a eliminar os períodos de<br />

inatividade, o que equivale a um prolongamento do tempo de trabalho; de outro, o “fordismo”,<br />

baseado na busca sistemática de ganhos de produtividade nos bens de consumo de massa com<br />

tendência a um trabalho contínuo semi-automatizado (a “cadeia”). Conforme a dominante<br />

taylorista ou fordista, também podemos falar em acumulação extensiva ou intensiva: a<br />

primeira se desenvolve pela generalização do regime salarial às camadas não-assalariadas; a<br />

segunda se desenvolve de maneira interna, adaptando entre si processos de produção e de<br />

consumo.<br />

A passagem de uma dominante à outra teria acontecido nos Estados Unidos a partir de<br />

1920; na Europa, fundamentalmente depois de 1945. Isso coloca em causa a crise de <strong>1929</strong>.<br />

Mas uma segunda oposição apresenta a originalidade da análise que examinamos aqui e<br />

especifica o papel da Grande <strong>De</strong>pressão tanto quanto seu desencadeamento. Haveria,<br />

característica do capitalismo no século XIX, uma “regulação concorrencial” em oposição à<br />

“regulação monopolista” moderna, vigente desde 1945. Um modo de regulação é definido<br />

pelo conjunto de formas institucionais que, resultantes de uma dada configuração das<br />

estruturas econômicas e das relações sociais fundamentais, consegue garantir uma<br />

estabilidade, sempre parcial e provisória, do regime de acumulação em vigor. Trata-se de um<br />

conjunto de mecanismos, por exemplo, jurídicos e contratuais, que permitem à sociedade<br />

funcionar conforme o grau de acumulação (extensiva ou intensiva) que a caracteriza. Assim, a<br />

produção de massa típica da extração da mais-valia relativa supõe uma grande estabilidade<br />

dos mercados para que a padronização possa agir. Com isso, as convenções coletivas que<br />

determinam os salários por setor em função da produtividade são um dos elementos<br />

fundamentais da “regulamentação monopolista”, pois garantem que a evolução do poder de<br />

compra do operário seja compatível com o desenvolvimento da acumulação.<br />

A crise de <strong>1929</strong> seria então explicada, em sua violência, pelos progressos de acumulação<br />

intensiva e de inadaptabilidade de uma regulação ainda em grande parte concorrencial: havia<br />

uma tensa separação entre estrutura (econômica) e regulação (social). Os desempenhos da<br />

produtividade industrial durante os anos 1920 foram quase sempre brilhantes. Mesmo levando<br />

em conta os reajustes decorrentes de 1914-1918 e a desigualdade entre países e indústrias,<br />

fica claro que surgia uma divergência entre a evolução dos salários (em progressão fraca e<br />

irregular) e da produtividade. A “institucionalização” dos salários fora incompleta e estava

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