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A Crise De 1929 - Bernard Gazier

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ficar surpreso: não há nenhum esforço sistemático de explicação de <strong>1929</strong>. O curto capítulo 22,<br />

intitulado “Notas sobre o ciclo econômico”, com menos de 20 páginas, se propõe<br />

simplesmente a relacionar os principais resultados do livro às teorias dos ciclos. Sem<br />

esquecer as freqüentes e muitas vezes provocativas intervenções de Keynes durante a crise,<br />

como expert e jornalista, devemos considerar que sua contribuição explicativa está em grande<br />

parte implícita e consiste em transformar os termos do debate – é por isso que, seguindo a<br />

obra de A. Barrère 16 , falaremos aqui em impulso keynesiano. Pai da macroeconomia<br />

moderna, Keynes concebeu uma teoria econômica em grande parte instrumental que renova a<br />

apresentação das relações econômicas, evitando pensar por mercados para pensar por funções<br />

(investimento, consumo) e por circuitos.<br />

Ele recusa a Lei de Say, postulada pela economia ortodoxa – que afirma que “toda oferta<br />

cria sua própria demanda” e, portanto, que nenhuma superprodução constante é concebível<br />

num sistema de mercados funcionando sem perturbação, porque toda produção provoca um<br />

fluxo de rendimentos (salários, lucros) que permite seu escoamento –, não por constatar as<br />

dificuldades cíclicas, mas por observar que a poupança pode constituir uma “fuga” no<br />

circuito, pois adia uma despesa e não necessariamente é investida. <strong>De</strong>corre disso o conceitochave<br />

do keynesianismo, o do equilíbrio do subemprego, que designa uma configuração<br />

estável dos preços e das quantidades de uma economia, mas que é acompanhado pelo<br />

desemprego. Essa “revolução copérnica”, segundo seu próprio autor, tem a vantagem de<br />

continuar a teorizar as interdependências econômicas em termos de equilíbrio, mostrando ao<br />

mesmo tempo como elas podem resultar em desequilíbrio contínuo no mercado de trabalho<br />

(desemprego crônico, acima de tudo), o que concentra a teoria keynesiana na prolongada<br />

depressão britânica dos anos 1920 ou na conjuntura mundial de 1932-1936.<br />

A lógica da apresentação em termos de circuito macroeconômico é a recusa do jogo de<br />

interdependências microeconômicas entre agentes individuais, para estabelecer a primazia dos<br />

ajustes globais em termos de quantidades sobre os ajustes por preço, conforme ilustrado pela<br />

famosa teoria elementar do multiplicador. Keynes retoma o mecanismo estabelecido por Kahn<br />

em 1931; porém, em vez de pensar em ondas sucessivas de emprego desencadeadas por um<br />

impulso inicial, ele pensa em termos de receita nacional e de crescimento dessa mesma<br />

receita.<br />

O mecanismo pode funcionar de maneira inversa, e seria essa a explicação das<br />

dificuldades enfrentadas pelo capitalismo moderno. As poupanças acumuladas numa<br />

sociedade rica favorecem uma “demanda de liquidez”, da moeda por ela mesma, que perturba<br />

o financiamento dos investimentos e faz prever uma demanda fraca. Quando os empresários<br />

comparam as rentabilidades dos projetos de infra-estrutura com as taxas de juros que estão<br />

amplamente ligadas à “preferência pela liquidez”, eles podem eventualmente renunciar a<br />

certos investimentos. A sociedade rica entra então numa depressão cumulativa e crônica, sem<br />

perspectiva de reerguimento a longo prazo.<br />

O esboço desses temas maiores do keynesianismo permite entender sua contribuição: nele<br />

há uma síntese de diversas explicações parciais – encontramos o subconsumo, a saturação dos<br />

mercados bloqueadora da instigação para investir, a influência perturbadora da moeda –, mas<br />

trata-se de uma síntese aberta e ativa, que repudia o determinismo e convoca à experimentação

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