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A Crise De 1929 - Bernard Gazier

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O distanciamento cronológico permite uma melhor compreensão dos traços únicos da<br />

Grande <strong>Crise</strong>. Estes não são nem o alcance nem a precipitação da derrocada da Bolsa. O<br />

crash de Nova York em 1987, por exemplo, foi comparável ao de <strong>1929</strong>. Contudo, foi<br />

rapidamente reabsorvido e não foi seguido por nenhum colapso da atividade econômica nos<br />

Estados Unidos. Da mesma forma, a explosão da Bolha da Nasdaq 11 , entre 2000 e 2002,<br />

provocou um “crash por patamares” e baixou as cotações das bolsas ocidentais de 50% a<br />

80% sem que a recessão mundial consecutiva degenerasse em recessão duradoura.<br />

É antes a década <strong>1929</strong>-1939, com o alcance de seus encadeamentos deflacionistas e as<br />

dificuldades de recuperação depois de atingido o mínimo, que parece específica. Duas<br />

comparações permitem colocá-la em seu devido lugar. A primeira, por muito tempo<br />

negligenciada pelos historiadores, coloca em cena a outra Grande <strong>De</strong>pressão 12 , que ocorreu<br />

no fim do século XIX. Mais de vinte anos de marasmo econômico, pontuado por falências e<br />

crashes na Europa e nos Estados Unidos, não haviam colocado em questão a existência do<br />

padrão-ouro. Seguiram-se o crescimento rápido dos “anos loucos” e uma primeira<br />

globalização financeira, num contexto de grande estabilidade das taxas de juros e de forte<br />

variação cíclica dos preços e da atividade. A crise de <strong>1929</strong> é assim a primeira a provocar<br />

uma ruptura de trajetória em escala mundial.<br />

O segundo ponto aparece no contraste entre o capitalismo resultante da conferência de<br />

Bretton Woods (1944) e a expansão em todas as direções do capitalismo financeiro que se<br />

afirma depois dos anos 1980. <strong>De</strong> um lado, em grande parte como reação à Grande <strong>Crise</strong>, tratase<br />

de um capitalismo controlado e dominado por um único país, os Estados Unidos. As<br />

atividades dos bancos de depósitos e bancos de negócios são claramente distintas. Uma época<br />

de crescimento rápido e constante parece iniciar. O padrão de câmbio-ouro é na verdade um<br />

padrão dólar, que coloca um fim à bipolarização do entre-guerras e à disputa entre o dólar e a<br />

libra esterlina. As taxas de câmbio fixas estabilizam as trocas internacionais e a influência dos<br />

Estados nacionais se afirma, enquanto as pressões inflacionistas constituem o principal motivo<br />

de preocupação. Mas esse período é breve. Os desequilíbrios financeiros aliados à expansão<br />

das empresas multinacionais conduzem, a partir dos anos 1970, ao abandono do sistema de<br />

Bretton Woods e a um aumento da desregulamentação, bem como da autonomização dos<br />

mercados financeiros mundiais. O todo convergiu para o enfraquecimento dos controles<br />

exercidos pelos Estados-Nação. Resultam disso diversas acelerações e crises que evocam<br />

diretamente o contexto dos anos 1920 e 1930. A crise da dívida na América Latina durante os<br />

anos 1980, a crise da demanda na Ásia a partir de 1997 e a Bolha da Nasdaq entre 2000 e<br />

2002 permitem agora que falemos globalmente de “desordens no capitalismo mundial”. 13 A<br />

Ásia passa para o primeiro plano, com a emergência da Índia e da China (esta conhece entre<br />

1990 e 2005 uma taxa de crescimento média de 10%). A longa crise do Japão entre 1990 e o<br />

início dos anos 2000 faz ressurgir, por sua vez, comportamentos esquecidos desde os anos<br />

1930, em especial a impotência diante de uma deflação prolongada. Apesar da zona de<br />

estabilidade constituída pelo euro a partir de 1999, a apatia dos grandes países europeus<br />

contrasta com o dinamismo dos Estados Unidos. Mais dois traços aproximam as evoluções<br />

atuais e o entre-guerras: a passagem progressiva a um contexto deflacionista e o retorno a uma<br />

situação monetária multipolar (emergência do euro e do yuan chinês). Espelho da globalização

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