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Revista Apólice #211

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comunicação e expressão<br />

por J. B. Oliveira*<br />

Palavrinhas que dão vontade<br />

de dizer um Palavrão!<br />

Garanto – quase juro –, que já tentei, por diversas vezes,<br />

comprar duzentos gramas de presunto, tanto em padarias como<br />

em mercearias. Não o consegui! Invariavelmente, o balconista<br />

se volta para mim e – com ar de professora corrigindo o aluninho<br />

de primário – indaga, acentuando bem a última sílaba<br />

da primeira palavra, “du-zen-TAS gramas de qual presunto?<br />

” Por alguns segundos, reflito se valeria a pena dizer-lhe que<br />

não tenho campo de futebol em casa e, portanto, a grama a que<br />

me refiro não é a descrita pela palavra feminina originária do<br />

latim “gramina”, que significa relva, gramado, e sim a palavra<br />

masculina que veio do grego “gramma”, que designava uma<br />

antiga medida de peso para pedras preciosas, também chamada<br />

escrópulo. Rendo-me e apenas digo a marca ou tipo do<br />

tal embutido que quero comprar. Acontece que tenho pressa<br />

de encerrar a questão porque devo dar UM telefonema e, seu<br />

disser isso a ele, é capaz de uma vez mais corrigir-me: UMA<br />

telefonema! Ora, grama e telefonema não terminam por “A”?<br />

E a regra gramatical não diz que tais palavras são femininas?<br />

É só conferir: A casa, A faca; A rua; A calçada; A bandeira;<br />

A pátria; A poesia; A literatura; A história, A presidenta...<br />

Opa! Aí não. Porque essa forma – embora tenham buscado<br />

encontrar para ela alguma justificativa – nunca teve<br />

aceitação “ampla, geral e irrestrita”. A par disso, está em<br />

absoluto desuso há muito tempo. E quando um vocábulo não<br />

tem mais uso corrente, torna-se um ARCAÍSMO, que é um<br />

vício de linguagem e, em consequência, um erro gramatical!<br />

A propósito, se há uma determinação oficial de chamar<br />

a mulher PRESIDENTE de PRESIDENTA, é justo pleitear a<br />

recíproca para os homens, e passar a usar os termos: artisto,<br />

atleto, pianisto, vocalisto, diplomato, humanisto, dentisto,<br />

propagandisto, jornalisto, radialisto e por aí afora...<br />

Recentemente alguém me disse: “Tenho muita DÓ das<br />

pessoas carentes”. Eu lhe perguntei: “ E você tem também<br />

RÉ, MI, FÁ, SOL, LÁ e SI? “. “Como assim? Não estou<br />

entendendo!?” disse, entre surpreso e irritado. Expliqueilhe<br />

então que essa palavrinha, de apenas duas letras e uma<br />

sílaba, é MASCULINA, tanto quando significa compaixão,<br />

comiseração como quanto se refere a uma nota musical.<br />

Ocorre que, nesse último caso, pode-se subtender a expressão<br />

“A nota musical DÓ”!<br />

É oportuno lembrar que a escala musical com essas<br />

sete notas foi criada por Guido Arezzo, monge beneditino<br />

que viveu de 992 a 1050, tendo dedicado sua vida à música.<br />

Nesse sentido, para facilitar o aprendizado e o uso dessa, que<br />

era uma das Sete Artes Liberais da antiguidade, desenvolveu<br />

um sistema escalar, baseado em um hino em louvor a São<br />

João Batista que, em latim, tinha estas estrofes: UT quant<br />

laxis/ REsonare fibris/ MIra gestorum/ FAmuli tuorum/<br />

SOLve polluti/ LAbrii reatum/ Sanct Iohannes”.<br />

Mais tarde, o UT foi substituído por DO. Segundo<br />

alguns estudiosos, pelo próprio Arezzo, tomando a última<br />

sílaba de seu primeiro nome: GuiDO. Para outros, a alteração<br />

teria sido feita pelo maestro Giovanni Battista DOni,<br />

também com base em seu nome.<br />

Para tornar mais interessante essa rememoração, segue<br />

a tradução do hino: “Para que teus servos/ Possam, das entranhas/<br />

Flautas ressoar/ Teus feitos admiráveis/ Absolve o<br />

pecado/ Desses lábios impuros/ Ó São João”.<br />

Outra palavra cujo gênero quase todas as pessoas trocam<br />

é CAL, “substância branca, grosseiramente granulada,<br />

obtida pela calcinação do carbonato de cálcio e usada em<br />

argamassa, na indústria cerâmica e farmacêutica”. Por<br />

alguma razão desconhecida, entendem que cal é palavra<br />

masculina quando, na realidade é feminina. É A CAL e não<br />

o cal. Será que a troca se dá por analogia, ou contaminação<br />

gramatical com O SAL?<br />

Sal que, por sinal, é usado para dar paladar à salada.<br />

Principalmente a de ALFACE.<br />

E aqui está outro vocábulo que sofre do mesmo mal!<br />

Volta e meia ouço ou leio “O ALFACE”, no masculino,<br />

quando o correto é A ALFACE.<br />

Essa palavra que, em português, derivou do árabe<br />

al-khass, designa uma planta hortense, da família Lactuca<br />

sativa. Por isso, seu nome em inglês é lettuce; em italiano<br />

lattuga, em espanhol lechuga e em francês laitue.<br />

Fugindo a todas essas formas, o alemão prefere chamála<br />

simplesmente de salat...<br />

De qualquer forma, porém, e em qualquer língua, é<br />

bom não abusar do sal. Ou, se preferirem complicar, do<br />

cloreto de sódio!<br />

* J. B. Oliveira é Consultor de Empresas, Professor Universitário, Advogado e Jornalista.<br />

É Autor do livro “Falar Bem é Bem Fácil”, e membro da Academia Cristã de Letras<br />

www.jboliveira.com.br – jboliveira@jbo.com.br<br />

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